Balbúrdia no Oeste // Sporting 1 LASK 4
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Para o Sporting, entrar ontem em Alvalade para defrontar o Aberdeen apresentava-se como um campo minado de riscos, cheio de hipóteses funestas a cada esquina. Uma equipa virgem de competição contra outra no seu 9º jogo oficial, um surto pandémico que nos desfalcou de treinador e jogadores, um onze jovem, um estádio vazio.
Poucas vezes me deu tanto prazer ver o Sporting esta época como no jogo de ontem. Pelo menos até aos 60', altura em que a equipa antecipou o fecho da loja, encerrou a caixa, recolheu os toldos e reuniu o staff para uma cavaqueira amena à volta da grande área de Max, deixando a concorrência facturar impunemente no lote vizinho e arrebanhar por instantes os dividendos que tinham até então pertencido exclusivamente aos leões.
O jogo em Vila do Conde — artefacto museológico hoje exibido na ala dos grandes desastres exibicionais, uma prateleira abaixo dos maiores 'hits' de Vercauteren — tinha deixado adivinhar o que aí vinha. A substituição do infrutífero Camacho por Jovane, o desmantelamento daquele enterro em forma de dupla Doumbia-Eduardo, a fuga definitiva ao cadafalso dos três centrais, táctica-trapezista que apenas tem rendido ao Sporting más aterragens.
Aproveitar a intensidade carnívora de Battaglia para sacudir a poeira e devolver Wendel (apagado, apesar de tudo) às funções de ligação intermédia, soltando Vietto atrás do ponta-de-lança, restitui ao nosso futebol pergaminhos ofensivos mais consentâneos não só com o ADN histórico do clube, mas também com as características do plantel — e os resultados foram notórios. Para isso contribuiu a presença simultânea em campo dos que são efectivamente os nossos melhores jogadores — exceptuando Mathieu — e a confiante mobilidade de Jovane (para mim o melhor em campo), cuja omnipresença no último terço permitiu também a Sporar focar-se em funções exclusivas da sua posição. O esloveno já marca, e isso é bom para consolidar o seu estatuto. Mas nem por isso a equipa escapou à calamidade da fraca eficácia, resultante de alguma falta de esclarecimento na definição do último passe/remate, esbanjamento que teve em Vietto e Sporar os seus rostos mais visíveis, não obstante os bonitos golos que ambos assinaram.
Conseguimos meter as hordas otomanas em retirada. Porém, o golo tardio de Visca — num pénalti forçado, mas também consentido pelo Sporting — garantiu ao Basaksehir o seu 'momento Dunquerque' — a esperança de terem dado um passo atrás mas ainda poderem dar dois em frente.
Foi esta displicência final do Sporting que reavivou uma eliminatória que podia ter ficado fechada ontem, tal foi a supremacia leonina. E, assim, quem se lembrar de nomes como o Rapid Viena, Casino Salzburg, Dínamo Bucareste, Grasshopper, Viking, Gençlerbirligi ou Halmstads, saberá que, na conjuntura actual do clube, um, dois, ou até três golos de vantagem podem significar pouco — e épocas como as de 90/91, 04/05 ou 11/12 têm sido estrelas raras no firmamento europeu. O Sporting ainda vai bem a tempo de ser eliminado. Pois não duvido que o Basaksehir, 2º classificado da liga turca, irá revelar a sua melhor face em casa. Para evitá-lo teremos que, no mínimo, mostrar a ambição que ontem evidenciámos durante uma hora e não retrocedermos para as folias tácticas em que o sr. Silas tem sido pródigo.
Quando o cronómetro bateu os 35' de jogo já Eduardo tinha passado sete bolas ao adversário, as bancadas engalfinhavam-se umas contra as outras num despique de insultos, o jogo violara múltiplas cláusulas humanitárias da Convenção de Genebra, e uma árida brisa fluvial deixava os caracóis de Zé Pedro ainda mais desamparados no banco, ao lado do qual um atónito Silas se afundava cada vez mais no seu blusão polar.
Para quem sempre se identificou como Sportinguista, a confusão deve ter parecido palpável. O ingresso anunciara um Sporting-Belenenses, mas a verificação prática dos factos indiciava mais um despique entre dois Belenenses da mesma moeda, só faltando ao visitado uns retoques no símbolo e o exílio para pátrias alheias para completar a metamorfose de colosso dos relvados para tuna de enfermagem do São Francisco Xavier. Tanto mais que alguns dos jogadores que desfilaram em campo de verde-e-branco pareciam ter lá sido postos por intermediários do Benfica, com o único intuito de praticarem pontapés na atmosfera até à recepção aos encarnados.
Silas só se terá apercebido do equívoco quando olhou para o lado e em vez de ver o Chaby a jogar Angry Birds no telemóvel deparou-se com um Paulinho visivelmente agitado pela falta de jeito do Rosier. Eventualmente, alguém tê-lo-á avisado de que não existe no mundo uma única equipa grande que jogue com três centrais contra um adversário do fundo da tabela. Assim, a prova de que a sua abordagem ao jogo foi um desastre foi, precisamente, a forma como tudo alterou ainda antes do intervalo. Arriscou ao retirar Neto em vez de Ilori, mas terá calculado que a solidez de Coates (mais uma grande noite) ficaria melhor complementada com a rapidez do formando leonino, ao mesmo tempo que Camacho trouxe para o jogo um frenesim de iniciativas (nem sempre lúcidas) perante o olhar atónito de Jesé. Também a entrada de Doumbia ao intervalo pareceu confirmar as ligeiras melhorias do costa-marfinense constatadas na partida anterior. Melhor quando tem companhia ao lado, parece mais solto e disponível para o jogo, e isso mesmo comprovou-se pela forma como conseguiu transportar a bola até à área contrária em duas ou três ocasiões. A entrada oportuna de Luiz Phellype veio apenas dar um rumo a esses agoiros.
Tudo isso gerou uma certa sensação de inconformismo na equipa, desencadeando esparsas escaramuças perto da área azul, ainda que sem grande objectividade no ataque à baliza. Mas, pelo menos, esse despertar teve o condão de focar as bancadas no essencial. E quando aos 75' Vietto puxou do seu arsenal, sem concurso público, o golo da jornada — para gáudio dos olheiros do Cirque du Soleil — já não foi apenas um soluço de total espanto que os adeptos soltaram. Com o marcador aberto e o Belém de calças na mão, o Sporting explanou então o seu melhor futebol da partida, esforço que foi premiado com mais um golo.
No fim, o segredo esteve na solidez defensiva e na inspiração individual. Não é coincidência que o golo tenha sido cozinhado por três dos jogadores mais competentes do onze — Vietto, Bolasie e Fernandes —, com a participação do recém-entrado Phellype, num lance que teve início num passe estratosférico do próprio Vietto, ainda no meio-campo leonino, o qual foi concluir após cavalgada de 70 metros. O facto de nem Rosier, nem Borja, nem Doumbia, terem tocado na bola foi uma daquelas coincidências felizes que não vemos todos os dias.
Isto num jogo que, além dos golos e dos 15 minutos finais, teve pouquíssimo sumo para espremer. Sem surpresa, uma vez mais, o Sporting voltou a ter menos posse do que o adversário. Felizmente, esse aspecto poderá agora ser amplamente trabalhado na pausa tri-semanal do campeonato — mais uma das infelizes inovações em que a FPF é pródiga.