O General Com Medo // Rio Ave 1 Sporting 1
Completados 5 meses ao serviço do cçube, Silas prova categoricamente que treinar o Real Madrid ou treinar este Sporting é para ele um expediente que vai dar ao mesmo. Devagar, devagarinho, com medo, muito medinho, lá vai ele abordando os jogos, faça chuva ou faça sol, fiel à mesma míngua de ideias que caracteriza um participante da Casa dos Segredos, antítese empírica do exemplo dado por Humberto Delgado, o general sem medo para quem o gigantismo da opressão regimental só podia ser combatido olhando o adversário nos olhos. Só assim se explica a exibição execrável do Sporting, a total ausência de jogo atacante (tirando o remate-oásis de Eduardo), a solidão necrológica dos homens dianteiros (poucos, tão poucos), a inexistente criatividade nos raros momentos de posse.
Silas ainda não interiorizou uma noção quintessencial para qualquer treinador do Sporting que tenha por objectivo sobreviver no cargo por mais de meio ano: mais vale perder pontos a atacar do que perder pontos a jogar para o pontinho. Quando o Uber o larga em Alvalade ele estranha a ausência das paredes mal calafetadas do Restelo. Não o censuro pela confusão. O Sporting de 2020 é bastante parecido ao Belém de 2018. O mesmo pendor autofágico, o mesmo futebol em 2ª mão, a mesma obsessão por emprestados, a mesma equipa técnica. Mas qualquer vista de olhos mais atenta à nossa história deveria despertar Silas para as prioridades do seu consulado, entre aquilo que é tolerável para os adeptos do Sporting e o que é intolerável para os adeptos do Sporting. No topo da lista dos "intoleráveis" está, precisamente, passar 70' a jogar em estéril lateralização, inseminação abortada por dois pivôs que não constroem nada, não acrescentam nada, não garantem nada. Por isso mesmo, Silas não pode ser o treinador do Sporting na próxima época.
Mesmo tendo em conta as limitações do plantel, os castigos, as lesões e esse luto visceral por Bruno Fernandes, não pode haver desculpas para a produção do Sporting em 90' se resumir a um remate à trave. Não pode haver desculpas para sermos tão descaradamente submissos a uma equipa que nunca venceu um campeonato nacional, nunca venceu uma taça, nada. Nem que seja porque o Sporting entrou ontem em campo com seis internacionais AA, contra dois do Rio Ave.
O jogo de ontem foi, assim, um pedido de ajuda. Uma tentativa de suicídio ao ralenti, feita em público, sob o olhar atento dos bombeiros. E, se dúvidas existissem, terá servido de guia de marcha para uma série de jogadores. A começar por Borja, o único jogador do planeta que consegue perder três bolas numa única posse. Ou Wendel, o equivalente low-cost de um Pogba: engenhoso, talentoso, mas totalmente desprovido de mentalidade competitiva — não há pretensão ao título de campeão que resista a um protagonista com tamanha falta de fibra vencedora. Algo desacompanhado, é certo; perdido nos abismos milenares que o separavam da dupla Eduardo-Doumbia (Battaglia no banco?), não tem, porém, o impulso de vir procurar jogo atrás. O eclipse foi tão completo que o meu dedo já teclava o número da polícia, para dá-lo como pessoa desaparecida, quando o brasileiro emergiu dos vapores tísicos da equipa para desmarcar o fantasma de Jordão, lá no deserto relvado onde apenas a morte de ideias estava presente.
Assim, Silas persistiu no erro até aos 71', altura em que Coates é expulso e pulverizam-se quaisquer hipóteses de alterações substanciais. E depois há Sporar, homem-ilhéu no naufrágio. 4 jogos, 0 golos. O pior início possível para alguém que precisava de começar bem para dissipar as dúvidas. Sporar é mais vítima do que réu, é certo, pois a moda dos avançados figurantes já vem de trás, quando Keizer decidiu fazer de Bas Dost uma espécie de farol solitário em alto mar, por quem os barcos passam com indiferença e um aceno triste. Desta soma de misérias sobra apenas Maximiano, mais uma vez o melhor da equipa.
Com tantos erros de casting, o empate acaba mesmo por assumir tonalidades milagreiras, um bálsamo inesperado para a nossa leonina comichão, arrancado literalmente do céu pela persistência de Bolasie. Jovane assumiu, não falhou, e deu com isso um sinal de confiança e vontade que lhe deverão garantir a titularidade nos próximos jogos.
Agora, nas semanas seguintes, iremos assistir a uma tendência interessante. O foco do descontentamento popular irá transitar gradualmente da direcção para o treinador. Se em teoria isto aponta para a culpabilização do técnico pela má época, não é de todo o que significa. Significa tão somente que, para os adeptos, o preço de fazer cair uma direcção desapontante é demasiado elevado, tendo em conta as forças do caos que se perfilam para lhe tomar o lugar. Trocando por miúdos, FV tem o seu lugar cada vez mais garantido até à próxima época.