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O Esférico

Página independente de apoio ao Sporting Clube de Portugal. Opinião * Sátira * Análise * Acima do Sporting Mais Sporting

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O Esférico

06
Jun20

O Seráfico Benfiquista

O Esférico

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Deve ser uma felicidade ser do Benfica — uma das raras bênçãos desta vida. Imagino eu, que vivo do lado de cá do inferno uma existência abjecta, poluta, imoral e servil. Por acaso sou do Sporting, mas, para tamanha indigência espiritual, tanto faria que fosse do Porto, do Tondela ou do Farense — era igual.

Nós, vencidos do clubismo, olhamos de olhos esbugalhados e carentes para esse oásis de virtudes nos antípodas de Lisboa, muito como um sem-abrigo espreita o caviar dos ricos pela vitrine panorâmica do Ritz.

Invejamos esses píncaros de grandeza, cobiçamos essas iguarias de altivez. Enquanto reviramos os escombros da nossa miséria, imaginamos, ansiosos, como seriam as nossas vidinhas se vivêssemos todos nessa 'penthouse' de probidade em que os ditosos lampiões habitam. Como seriam se habitássemos esse mundo mágico, onde os adeptos se multiplicam mais rápido do que a taxa de natalidade mundial, os fetos nascem com superagentes, as investigações evaporam-se nos misteriosos bosques da justiça, os jornais ungem-nos diariamente dos mais doces encómios e os nossos beiços se banham perpetuamente em inesgotáveis fontes de óleo-de-courato...

Uma das grandes vantagens do Benfica, por exemplo, é não ter claques. Nunca tiveram. Dúvidas? Quem o diz, categoricamente, é Luís Filipe Vieira, o líder encarnado. "Claques? Nunca soube que o Benfica tinha claques". O que é extremamente vantajoso, convenhamos. Enquanto outros lidam com catástrofes animais como a de Alcochete, os benfiquistas podem, por exemplo, canalizar todos os seus esforços para a produção em massa de vouchers beneficentes (outra regalia do associativismo encarnado) ou passes VIP para as classes desfavorecidas de directores da PJ e juízes da Relação.

Quem, na absurda tentação de argumentar pela paz desportiva, não foi já interrompido por um benfiquista que, emergindo elasticamente de trás do seu impenetrável muro ético, nos esmaga com este xeque-mate heróico: "ao menos nós não temos Alcochetes!"? Como é bom ser do Benfica! Despreocupadamente, levianamente, altaneiramente do Benfica!

Mas, por detrás de todo o ecossistema celeste, espreitam perigos — como um corpo seráfico sem defesas bacterianas.

Tremo então só de imaginar o que seria se um grupo de malfeitores atacasse o autocarro da equipa com tijolos de betão densos como o Isaías. Isso seria tremendamente embaraçoso, quando o nobre líder já confirmou a inexistência de tais pessoas. Com alívio, portanto, os benfiquistas não têm que temer que os seus ídolos sejam hospitalizados com vidros nos olhos, ou que os líderes da equipa vejam as suas casas vandalizadas com ameaças em plena luta pelo título... Ainda assim, admito que não seria nada recomendável que a UEFA fechasse o Estádio da Luz pelo comportamento de claques ilegais a quem se desse apoio logístico em todos os jogos... E seria um tudo nada intrigante — confesso — que um clube visse o seu estádio interditado pela FPF depois de anos a encobrir grupos que — graças a Deus — não existem! Tal como não faria sentido mostrar surpresa quando uma claque que nós próprios declarámos extinta andasse por aí a atropelar, esfaquear, pontapear e emboscar adeptos de outros clubes, em virtude da cobertura clandestina que lhe prestámos ao longo dos tempos... Certo, seria chato, um tudo nada incómodo, admito, e um pesadelo de relações públicas internacional...

Sim, tudo isso seria uma pena, uma terrível e fatal ironia. E — quase me atrevo a dizer — motivo para demissão colectiva e humilhação generalizada.

Felizmente, não há quaisquer indícios de que tal esteja para acontecer. O Benfica não tem hoje, nem nunca teve, claques. O que aconteceu nunca aconteceu. E, assim, o seráfico adepto benfiquista pode prosseguir a vida, confortavelmente embalado nos braços da grã-ventura.

11
Fev20

Para Um Sporting Indivisível Temos Que Assumir a Sua Divisão

O Esférico

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Sobre a ideia da indivisibilidade do Sporting, tenho-a aflorado ocasionalmente nesta página — e com mais insistência desde os trágicos acontecimentos de 2018. Se já a tinha formada na cabeça, os últimos desenvolvimentos serviram para cristalizar os seus aspectos mais prementes.

Para o bem e para o mal, um novo clube saiu do verão desse ano. A ideia de um SCP policromático, casa de diversas sensibilidades e correntes, foi estilhaçada pela emergência de duas grandes facções conflituantes: uma pela restauração de uma certa decência histórica, outra pelo populismo. Nos dois anos subsequentes houve muito quem acalentasse, em vão, a ilusão de um clube reunificado, revivalismo moderno de uma era passada. Essa ilusão não só provou ser descabida, como se viu desarmada pela realidade, e tende a agudizar-se com a decisão (correcta) de negar a AG destitutiva e com o agravamento dos resultados até final da época.

O Sporting que uns dizem amar não é o Sporting que nós amamos. E para que o Sporting que eles dizem amar exista, este Sporting tem que morrer. Ou é como eles querem ou não há Sporting para ninguém. É esse o mantra, e não será derrotado com meias medidas.

Não escapa às observações de ninguém que os maiores focos de desestabilização se concentram na curva sul. Ora, o que abunda na mesma bancada? Claques. É portanto justo assumir que muitos destes adeptos têm ligações, afinidades ou proximidade com as claques. Mas, mais do que claques, impera ali uma mitologia. A mitologia da força sobre a lei, do futebol tribal, do ódio clubístico, da supremacia de um sportinguismo sobre outro.

Assim, temos de considerar a seguinte pergunta: o que mais pretende esta categoria de pessoas? De um modo geral, viver o Sporting como uma transmissão ininterrupta do "Pé Em Riste". Celeumas, indignações, contra-comunicados, golpes de teatro, murros na mesa, e também — algo comum a todos nós — golos na baliza. Muitos deles identificam esse modo de estar com o presidente destituído, outros com putativos candidatos, mas quase todos vêem desde o primeiro minuto Frederico Varandas como o principal obstáculo a esse devir. Há aqui um desequilíbrio químico com aspectos de toxicodependência.

Como podemos então desmantelar este 'pathos'? Não através de purgas anti-democráticas, mas sim de formas legítimas que permitam concretizar os mesmos objectivos. Para esta receita são necessários, sobretudo, dois ingredientes: astúcia e paciência. Não podemos fechar a bancada a quem comprou Gamebox, mas podemos preparar os próximos passos para dissolver a presença desses elementos naquele sector. Pois aquele sector — no estádio como no pavilhão — é para eles o sítio onde bate o coração desse sectarismo. Podemos e devemos considerar uma claque oficial em detrimento de todas as outras. Podemos e devemos expulsar as claques problemáticas, e pegar nas que não o são para um diálogo interno sobre o futuro unívoco dos GOA sob a alçada jurisdicional do clube. Não podemos alimentar a retórica radical com mais retórica radical, mas podemos neutralizar essas paixões com um comportamento ponderado e condigno. Não menos importante, o presidente deve rodear-se de pessoas capazes de quantificar em alma e feitos os sonhos dos sportinguistas. É esta a morte por mil golpes que recomendo para acabar com esta Hidra.

O corte terá de ser profundo e limpo. Mas, com as medidas certas, poderemos dar azo a uma espécie de selecção natural. Desprovidos da 'droga' que lhes alimenta a festa, esses elementos serão confrontados com duas opções: reunirem-se a nós na bancada como adeptos normais, ou afastarem-se do clube de vez. Seja como for, a dissolução estará alcançada, a cisão concretizada.

Quando há duas mentalidades inconciliáveis, manda a razão que se assuma a guerra em todo o seu horror. Chegámos a esse ponto. E, numa guerra, só pode haver um vencedor. Pugnemos então para que sobreviva a ordem, não a anarquia.

Possivelmente, teremos que conformar-nos em prosseguir feridos na nossa base popular, enfraquecidos, diminuídos — pelo menos durante um período. Porém, o que pode parecer fraqueza a uns, é na realidade força. O que poucos fazem em união, muito não fazem em divisão.

A performance de FV na entrevista à TVI pareceu-me das mais sólidas do seu mandato. Não obstante, quando confrontado com a real natureza das divisões no clube, chutou para canto, remetendo para as direcções dos GOA o ónus da culpabilidade, e recusando as razões da fracturação interna do clube, que tem como uma das suas raízes a criação das claques — primeiro uma, depois muitas. Até à data, ninguém desta SAD soube ainda identificar os verdadeiros motivos da decadência acentuada do clube. E isso preocupa-me.

10
Fev20

Juve Leo, Organização Terrorista

O Esférico

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Diz a lei de combate ao terrorismo em vigor:

"Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, OU AINDA INTIMIDAR CERTAS PESSOAS, GRUPOS DE PESSOAS OU A POPULAÇÃO EM GERAL".

E prossegue, tipificando os actos enquadráveis no conceito, entre os quais:

"a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de [inter alia] libertação de substâncias radioactivas OU DE GASES TÓXICOS OU ASFIXIANTES, etc"

Portanto, face ao que tem sido um comportamento consistente de agressões e ameaças, que conheceu episódios como o de Alcochete, a espera no Funchal, o arremesso de tochas contra atletas do Sporting, as invasões à garagem dos jogadores, a perseguição ao plantel nas ruas de Londres, o "Alcochete sempre", a invasão de bancadas no João Rocha, as tentativas de agressão aos órgãos sociais do clube, a destruição de carros, culminando ontem nas repugnantes agressões a membros do conselho directivo do SCP (incluindo a vil humilhação de uma rapariga de 16 anos), creio ser a hora de chamarmos os bois pelos nomes. A Juve Leo cumpre hoje vários dos requisitos apensos a uma organização terrorista. A Juve Leo é uma organização terrorista. Opera em território nacional. A sua religião é o ódio. O ódio pelo clube em tudo o que difere da sua visão medieval. E os aterrorizados somos nós, adeptos sportinguistas, atletas sportinguistas, funcionários sportinguistas, dirigentes sportinguistas.

O governo tem, por isso, nas suas mãos os meios legais para uma acção musculada contra este e outros grupos. Estamos perante uma epidemia de violência que devasta todos os estádios do país. Se não age, é por manifesta falta de vontade política. Falha na mais sagrada das missões: proteger os cidadãos, punir os infractores. É desgoverno em vez de governo. Não serve.

Sejamos muito claros. O que está aqui em causa é a própria sobrevivência do SCP. Ser ou não ser, eis a questão. Tudo se resume a isso. Há anos que bato na mesma tecla. Era tudo tristemente previsível. Mas repito, ainda assim: mais urgente do que mudar o plantel é desmontar estes grupos, reconquistar a bancada sul e devolvê-la a todos nós. A mensagem que este tipo de actos envia é clara: dirigentes, sócios ou atletas, ninguém está a salvo. Por cada pontapé há uma renovação que fica em risco, por cada tocha há um reforço que não vem, por cada cuspidela há um investidor que desiste, por cada soco uma Gamebox que fica por vender. Com isto, o seu objectivo fica estabelecido: matar o clube.

Virão agora aqueles que dizem pertencer à referida claque apenas por exaltado afecto leonino. "Há muita gente decente nas claques", dizem eles. Lobos em pele de cordeiro, cuja nobreza de carácter seria melhor provada se se distanciassem de tais grupos, ao invés de fazerem tão desconchavada defesa. A cumplicidade destes, se não é material, é seguramente moral. Tal como o é a cumplicidade de toda e qualquer claque que toma como suas as dores desta súcia de fanhosos. Conheço bem a laia. Fortes com os fracos, fracos com os fortes. Selvagens em matilha, mas lacaios de brega quando sós, às ordens da avozinha que lhes faz os papos-secos com marmelada ao lanche.

Se há gente decente nestes grupos, é por eles que (também) passa a solução. Saiam, lavem-se de pecados, rompam com este esfíncter gretado em sal, este ralo de pilosidades sebosas, este joanete a céu aberto, este traque cozido atrás da barraca, este urinol clandestino de idiotas, estas excrescência de tumores purulentos, esta gonorreia contraída em fétida viela e ejaculada em antros de fake news virtuais — latrina de chapa liderada por sobas pançudos criminalmente laureados.

Quanto a Frederico Varandas, mais do que rasgar as vestes, o que deve fazer é admitir os seus erros, fazer reset ao projecto e largar os pesos mortos que tem na estrutura. Em suma, ajude-nos a ajudá-lo, por favor! Pelo Sporting, pelo bem comum. Seja humilde, rodeie-se dos melhores.

Perante isto, a vitória do Sporting cai obrigatoriamente para segundo plano. Mas também por causa disto, deu-me um gozo tremendo.

P.S.: mais de 24 horas após o sucedido, ainda não ouvi uma única palavra de solidariedade por parte de putativos candidatos e opositores. Um silêncio que vale por mil palavras. Fica registado.

16
Dez19

Devolvam a Curva Sul aos Sócios!

O Esférico

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Quem tem seguido com atenção o julgamento do ataque à Academia não ficou decerto indiferente aos testemunhos dos jogadores na semana passada, onde foram descritos com minúcia granular os actos bárbaros de que foram alvo, assim como as sequelas psicológicas que ainda perduram. Se tais palavras resultaram nalguma alteração da percepção pública dos ataques, foi apenas no sentido de dar cor a um filme que, nalguns sítios, ainda se pintava de preto e branco. Não há acto redentor que possa salvar o lixo que hoje se encontra em julgamento.

Ontem, um conjunto de energúmenos de cara tapada recebeu a equipa nos Açores com o arrepiante cântico "Alcochete sempre, Alcochete sempre!" Tal canalhice não pode deixar de causar arrepios a qualquer cidadão decente, pois evoca, além do pior que o ser humano esconde em si, a impotência do Estado perante marginais que impõem aos outros uma tripla "sharia" de ameaças, coacção e paulada. Anúncios nunca faltam. Mas, em termos práticos, o que fez a tutela para estancar esta epidemia de violência? Nada. O problema só piorou. E, ante a evidência de estarmos perante autênticas máfias organizadas, atentatórias aos direitos de todos nós, a estratégia de desresponsabilização tem passado por individualizar o caso como um problema do Sporting — como se não houvesse uma hemorragia de violência nos campos de norte a sul deste país, como se não tivesse já morrido gente. Pois o que está aqui em causa é a subsistência de uma "elite" de cabecilhas que em tudo se move como um narco-estado — e que para isso conta com a colaboração de "soldados rasos", como os de ontem, os quais, em troca do trabalho sujo, se contentam com as sobras dos outros, naquilo que é, de facto, uma dinâmica de gang.

Em tribunal as coisas ficaram claras. "Tenho muito medo de que volte a acontecer", confessou Wendel. "Ainda hoje, quando jogamos, sinto ansiedade que caso as coisas não corram bem possa acontecer novamente", afirmou Bruno Fernandes. "De cada vez que o Sporting perde, fico com medo que a situação se repita", reforçou Ristovski. E de Mathieu sobrou esta ideia: "ainda hoje no final dos jogos me lembro deste episódio muito forte".

O que aconteceu ontem é uma coacção descarada à liberdade dos atletas, e uma inconcebível apologia da selvajaria. Em que estado mental terão ficado os jogadores, sabendo que poderão voltar a Lisboa para novas sessões de porrada? Mas há aqui uma motivação ainda mais tenebrosa: há gente que está, deliberadamente, a tentar acabar com o clube. Para eles, cada derrota é "dinheiro em caixa". Qualquer empresário que valha um vintém olha para isto e veta qualquer contratação — ou inflaciona os preços para níveis suicidários. Qualquer adepto normal vê isto e pensa duas vezes antes de meter os pés num estádio. Por isso, tratemos isto como aquilo que efectivamente é: uma luta pela nossa sobrevivência. Eis algumas medidas que a direcção poderia tomar:

1) Algo foi feito, mas é preciso mais. Hoje em dia há tecnologias de vídeo e reconhecimento facial que facilmente colam uma cara a um registo ou cartão de sócio. A 'entourage' das equipas desportivas do Sporting tem que estar preparada para isso, nesta altura de grandes perigos. Gritos como o de ontem são claramente motivo de banimento vitalício de toda e qualquer actividade relacionada com o clube. São um crime público, também, de incitamento à violência. Na Inglaterra, são os próprios clubes que identificam os infractores nas suas fileiras e os expulsam dos estádios. Porque não acontece isso por cá?

2) Devolvam a curva sul aos sócios! Devolvam-na às famílias, aos avós, aos netos, aos amigos. Com preços e pacotes especiais, simbolicamente, se preciso for. Vedem a venda de lugares para membros identificados de claques. Arranquem as urtigas e plantem no seu lugar uma nova e frondosa árvore de amizade e clubismo são.

3) Assumam o carácter ideológico desta batalha. Assumam uma posição clara contra as claques — quaisquer claques. Porque é a cultura de fanatismo paramilitar fomentada por aquelas que, no fundo, estamos a discutir. Estarmos, com pinças, a esmiuçar que esta é má, aquela é mais ou menos, e a outra é boazinha, apenas serve para deixar a porta entreaberta aos infractores. Acabem-se com as claques — ou crie-se uma claque oficial do clube que elimine todas as outras; uma claque única, sujeita ao escrutínio e braço disciplinar do SCP. Desde logo, não-sócios e cadastrados não poderiam integrar essa claque. O saneamento passa por regras de acessão (e participação) rígidas. Uma coisa é certa: as claques não podem auto-regular-se. Esta é a oportunidade duma vida. Impulsionemos o Sporting para o século XXI!

21
Out19

Claques: Nem Mais Um Passo Atrás

O Esférico

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No pós-Alcochete havia, no Sporting, quem tivesse a fantasia de que a relação com as claques poderia um dia voltar a uma espécie de idade da inocência, remendada por vagos exercícios de recalcamento colectivo e fé em Deus. Eu nunca embarquei nessa cantiga, e escrevi-o aqui, advogando pela extinção das mesmas ou a sua total refundação. As razões são diversas, entre as quais contam-se a captura das claques por comandos de desordeiros profissionais que do Sporting se servem antes de servirem o Sporting, a galopante tribalização das dinâmicas internas e o perigosíssimo empoderamento das suas cúpulas, com a nefasta consequência de termos hoje um segundo órgão de poder não-eleito no seio duma sociedade cotada em bolsa. Mas, sobretudo, porque quando se dá um acontecimento tão cataclísmico como o que ocorreu a 15 de Maio de 2018, atinge-se um ponto de não-retorno em que se exige visão, não hesitação.

Parece-me a mim que F. Varandas é o tipo de pessoa reactiva, não proactiva. Qualidades pouco abonatórias para um líder. Pois de um líder espera-se que saiba interpretar a gravidade dos factos e conjugá-los com o sentimento dos sócios (que não estão com as claques), desbravando, com medidas oportunas, caminhos consentâneos com o sinal dos tempos. Essa seria a única forma de prevenir o caos que é hoje visível. Oportuno, portanto, teria sido adoptar estas medidas quando o ferro estava quente. Porque depressa — muito depressa — percebemos que estes grupos, nomeadamente a JL, não contentes com os danos infligidos ao clube, nunca se mostraram dispostos a submeter-se à mais cândida "palmadinha na mão", jamais abdicando duma auto-proclamada "autoridade moral" que em tudo lhes permitisse condicionar os destinos do clube, mesmo que à pancada. Os sinais estavam todos lá, como aqui fui relatando.

Não deixo, todavia, de estar ao lado do presidente nesta matéria. Esta medida, embora tardia, é corajosa, ainda que insuficiente. O problema é que parte duma direcção enfraquecida e, no contexto actual, arrisca-se a ser confundida por sectores da bancada cujo apoio seria essencial com um acto de auto-preservação de poder, na lógica da postura defensiva que a estrutura tem, aliás, adoptado ultimamente. Não posso deixar de notar que, ao contrário do que vem escrito no comunicado da SAD (que está repleto de razões válidas), esta reacção não decorre de uma invocada falta de apoio à equipa de futebol, mas sim dos acontecimentos de Sábado, cujo alvo foi a própria estrutura. Mau timing, sempre. Porém, bem vistas as coisas, esses ataques inenarráveis não terão deixado outra alternativa à SAD, e isso é um escudo argumentativo plausível, mesmo que não infalível.

Previsivelmente, isto não ficará por aqui. E, dependendo dos próximos desenvolvimentos, poderá chegar-se a um ponto em que a expulsão das claques fique em cima da mesa. O que para mim não é um problema. Começam a desenhar-se as linhas de nova batalha pela alma do clube. E terão que ser os sócios do SCP, na sua globalidade, a saberem distinguir entre o mau trabalho desta SAD na área do futebol profissional e a pertinência das medidas agora tomadas. Porque o que está em causa não poderia ser mais importante. Termos um clube moderno, equipado para o século XXI, no qual as bancadas são restituídas às multidões de famílias e amigos; ou um clube anacrónico, sujeito à "lei marcial" destes grupos "paramilitares", no qual a generalidade dos sócios são cada vez mais espectadores dispensáveis no processo decisório? Muito possivelmente, desta inevitável cisão dependerá o renascimento do nosso clube. Porque este, tal como está, não tem futuro.

P.S.: Uma breve ronda pelos canais de tv dá-nos a prova inequívoca de que o nível médio de inteligência no comentarismo lusitano define-se na malga de farelos à rés-do-chão. Condenam a violência dos GOA? Sim, certamente. Opõem-se às ameaças? Oh, sim, veementemente! Até acham que aquilo de Alcochete foi um tudo nada desagradável... Naturalmente, são unânimes em chorar a morte prematura do Mercedes do vogal (se há coisa que comove esses prodígios do coice verbal é verem um Mercedes maltratado). Então qual é a sua opinião final? Que FV esteve mal, muito mal. Coitadinhas das claques, etc... Isto significa o quê, em termos práticos? Só pode querer dizer que, nas suas cabeças, o estado de direito deve subjugar-se a um certo "direito" à violência, que é, afinal, mero resultado da "paixão" pelo futebol. Ah, essa valente "paixão" que permite que um desaire desportivo transforme as pessoas em bichos... Não me surpreende que tão poucos refugiados sírios queiram ficar em Portugal. Afinal, também eles vieram de sítios onde a lei não significa nada. Reconhecem à distância o cheiro a trampa.

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