Balbúrdia no Oeste // Sporting 1 LASK 4
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Começam a avolumar-se os indícios de que, à septuagésima tentativa, Frederico Varandas terá finalmente acertado no treinador. Evidentemente, desembolsou um valor obsceno por ele. Mas quanto cada um de nós pagaria por um gato falante que aterra sempre em pé? Pois, nesta altura, Amorim parece ter imposto uma linguagem felina no seio do plantel que toda a gente entende.
Ultrapassada parece estar a rigidez mórbida dos tempos de Silas, ou a anárquica bonomia celebrizada por Keizer. Há uma nova elasticidade em voga e a sensação de que a equipa encarna várias dimensões para o mesmo fim. Olho para este Sporting e mal o reconheço. Olho para ele com a mesma admiração com que olhava para o veterano da turma, repetente de sábias andanças que parecia sempre recorrer ao melhor calão, aos melhores trejeitos, a afinidades inalcançáveis (todo o gesto que intentava parecia condenado ao insucesso e, no entanto, quando surgia do outro lado da mandriagem, dez piruetas depois, aterrava perfeito, enlaçado num sorriso confiante). De que outro modo podemos explicar esta recorrência de sucessos com a presença em campo, ora indiferente, ora desastrosa, de alguém como Borja? Quatro cambalhotas depois, aterramos em pé...
Agora, se somente Frederico Varandas acertasse em três ou quatro contratações de enfiada, este Sporting estaria pronto para liderar uma corrida pelo título já na próxima época. Pois, ironicamente, a vinda de Amorim não é só alívio para Varandas, é também a repudiação de Varandas. Repudiação, mais concretamente, pela forma anedótica como gizou a equipa para 19/20. Senão vejamos: o clube contratou nove jogadores para esta temporada. Porém, desses nove, apenas dois entraram no onze titular de ontem. Há uns dias, frente ao Belenenses, nem isso: apenas Sporar.
Amorim, claramente, não tem uma ideia muito positiva sobre os esforços da SAD anteriores à sua chegada. Ontem estrearam-se mais dois miúdos: Tiago Tomás e Joelson. Com similar descaramento, Amorim parece propor soluções, jogo após jogo, que todos os outros antes dele garantiam não existirem. E duas vidas opostas parecem coabitar em Alvalade neste momento: uma nova, que veio para ficar, e uma antiga, que será descartada. É este o espelho impiedoso que Amorim trouxe consigo, e montou no centro do relvado, apontado para as cúpulas dirigentes do 2º anel. Maior descaramento do que este só se a Belle Dominique aparecesse a dançar ao som de Jimmy Somerville numa marcha da extrema-direita.
P.S.: ao passo que jogadores como Plata, Jovane e Quaresma têm aproveitado cada momento para fincarem a sua bandeira em terras do futuro, outros, como Sporar ou Camacho, não têm conseguido acompanhar esta ascensão colectiva. Ultimamente, o esloveno parece desligado da equipa, alheio aos processos, desavindo com os timings de passe e remate. Mas, neste caso, poderemos estar a falar de uma provisória consequência das mutações tácticas de uma equipa à procura de si... Já no caso de Camacho, comparo o seu rendimento a alguém que tenta enfiar o mundo inteiro no buraco de uma agulha. Precipitado, forçado, atabalhoado — seja a jogar mais à frente ou mais atrás, tardo em perceber o motivo da sua aquisição.
É possível que Amorim saiba algo sobre o futuro de Mathieu que nós não sabemos. Ou que o véu do balneário oculte delitos que os olhos não vêem. Encostar o melhor defesa do Sporting para vincar a sua autoridade seria sempre uma opção controversa. Mas, na sua própria lógica retorcida, traz um grãozinho de sanidade ao planeamento da próxima época.
Mathieu é um dos melhores centrais que já passou pelo clube. É, para mim, o melhor a actuar hoje no país. Um elemento vital na equipa. Estes são factos que não nos oferecem contestação. Mas não formam a imagem completa do activo. Pois é precisamente a sua importância que o torna um elemento desestabilizador. Desde que chegou ao clube, o francês perdeu 29 jogos por lesão, equivalentes a 5 meses de paragem. Perdeu mais, na realidade, porque a sua condição obriga a que seja poupado frequentemente. No total, Mathieu tem uma taxa de ausência na ordem dos 25% no campeonato — um quarto dos jogos. Comparativamente, Coates não totaliza sequer 3 meses de paragem em 4 temporadas de leão ao peito. A defesa é montada em redor de Mathieu, naturalmente. Mas, devido a esta irregularidade, não consegue jamais atingir a estabilidade ideal. Caminha sobre brasas, entre o medo de não contar com o seu líder e a euforia de contar com ele. Muitos dos nossos problemas defensivos explicam-se nestes termos, por paradoxal que seja.
Amorim até pode ter comprado uma guerra inútil (não sabemos). Mas, ao fazê-lo, está também a apontar o caminho para o futuro. O Sporting tem que começar a olhar além de Mathieu.
Vietto é outro jogador na mesma linha. Um craque puro, visionário, elegante. Mas falta-lhe intensidade, fôlego, dimensão física, consequência. Quando está em campo — como ontem — traz ideias a um conjunto vegetativo. Quando se ausenta — como muitas vezes sucede — o rendimento da equipa cai na lama.
Enquanto o Sporting tiver estes como as suas referências, e as suas referências forem mera matéria fátua, o clube jamais poderá orquestrar um ataque credível ao título.
E é preciso falar sobre estas questões do futuro, porque nos é impossível falar sobre o jogo de ontem com conversa de gente, tão pobre foi. Pese todo o colorido táctico que se tentou emprestar à equipa, a verdade é que um jogo que servia para nos aliviar as dores da pandemia, acabou por relembrar-nos, de forma brutal, que este continua a ser o mesmo Sporting que está a 17 pontos do líder, que disputou meia época com um ponta-de-lança no plantel, que levou 4-1 do Basaksehir, que foi eliminado pelo Alverca, que contratou Jesé, que vai no seu 4º treinador esta época e que continua a socorrer-se de tipos como Borja ou Eduardo.
A exibição de ontem é consequência desta mantinha de desvarios. Nesse sentido, a vitória só poderia mesmo fazer-se por imaculada concepção, cortesia de Jovane, que, de coisa nenhuma, fez um golo que é tudo. De resto, tirando as arrancadas do cabo-verdiano, um par de defesas de Max, o acerto dos centrais, o voluntarismo de Acuña, e uma ou outra incursão de Wendel, não se aproveitou nada nem ninguém. Mas é na pré-época que se fazem experiências. E nunca a Liga me pareceu tanto uma pré-época oficial como agora.
Parte do encanto das mudanças de treinadores reside na folclórica "chicotada psicológica", um safanão de poeiras que deixa toda a gente na sala aflita das alergias durante umas horas, numa agitação pulmonar que chega a ser confundida com vigor e irreverência física. Ainda que os efeitos a longo-prazo de tais mudanças sejam questionáveis, muitas vezes os efeitos imediatos cumprem o seu propósito. No SCP, por exemplo, Inácio ganhou um campeonato, Bento finalizou 05/06 no 2º lugar, Sá Pinto derrubou o Man. City e mesmo o sucinto Keizer chegou a convencer parte das bancadas de que, a partir dali, Alvalade seria uma espécie de bar aberto de onde todo os solteirões sairiam sempre de mão dada com a rainha do Carnaval ao final da noite.
Mas as "chicotadas psicológicas" raramente produzem soluções a longo-prazo. Razão pela qual fiquei, ironicamente, esperançado com o jogo de ontem. Brilhantismo, nem vê-lo. Velocidade tão pouco. Inspiração, muito menos. Tirando o resultado, três dias de Amorim não parecem ter surtido o mais pequeno efeito no futebol do Sporting. Na prática, do estado comatoso em que a equipa saiu de Famalicão, ontem o renascimento manifestou-se meramente num estertor cadavérico na cama do hospital, posto o que o corpo enfermo do nosso futebol se virou custosamente para um dos lados, fez um xixizinho na algália, queixou-se da posição da almofada e depressa regressou ao estado vegetativo original, com um 2-0 na mala e já não foi mau.
Foi, por assim dizer, uma palmadinha psicológica. Para já. Pois para Amorim o verdadeiro trabalho começa agora, na ala de psiquiatria, mais concretamente, já que o primeiro grande obstáculo a vencer é o bloqueio mental que os jogadores sentem sempre que a bola vem ter com eles, acobardados com a cobrança das bancadas, mistificados com o vazio da vida, plenamente cientes de que, no ambiente actual, uma salva de assobios no momento errado pode custar-lhes o emprego. Razão pela qual o futebol do Sporting parece equivaler-se, neste momento, a uma espécie de carrossel para menores de 6 anos, animado por uma mecânica rudimentar, cautelosa e previsível, na qual os jogadores recebem a bola, pensam nas mil e uma maneiras como a morte os poderá levar, e optam, regra geral, por desfazer-se da mesma da forma mais segura possível — o que, convenhamos, é uma dinâmica responsável para um lar de 3ª idade, mas gera poucos benefícios numa actividade que costuma laurear quem corre mais e melhor.
Do banco, Amorim assistiu, atónito, ao esfrangalhar de um clube com mais de 100 anos de vida. A sua chegada não produziu qualquer fogo-de-artifício. Mas talvez seja melhor assim. O Sporting não precisa de picos de emoção e curativos na hora. Precisa é de alguém que meta as mãos à obra e comece por remover o entulho espalhado no chão. Com um contrato longo, Amorim terá mais tempo para esse trabalho. Que remédio... Talvez estejamos a assistir à inversão dos pressupostos da "chicotada psicológica". E isso seria muito bom.
Poucas vezes me deu tanto prazer ver o Sporting esta época como no jogo de ontem. Pelo menos até aos 60', altura em que a equipa antecipou o fecho da loja, encerrou a caixa, recolheu os toldos e reuniu o staff para uma cavaqueira amena à volta da grande área de Max, deixando a concorrência facturar impunemente no lote vizinho e arrebanhar por instantes os dividendos que tinham até então pertencido exclusivamente aos leões.
O jogo em Vila do Conde — artefacto museológico hoje exibido na ala dos grandes desastres exibicionais, uma prateleira abaixo dos maiores 'hits' de Vercauteren — tinha deixado adivinhar o que aí vinha. A substituição do infrutífero Camacho por Jovane, o desmantelamento daquele enterro em forma de dupla Doumbia-Eduardo, a fuga definitiva ao cadafalso dos três centrais, táctica-trapezista que apenas tem rendido ao Sporting más aterragens.
Aproveitar a intensidade carnívora de Battaglia para sacudir a poeira e devolver Wendel (apagado, apesar de tudo) às funções de ligação intermédia, soltando Vietto atrás do ponta-de-lança, restitui ao nosso futebol pergaminhos ofensivos mais consentâneos não só com o ADN histórico do clube, mas também com as características do plantel — e os resultados foram notórios. Para isso contribuiu a presença simultânea em campo dos que são efectivamente os nossos melhores jogadores — exceptuando Mathieu — e a confiante mobilidade de Jovane (para mim o melhor em campo), cuja omnipresença no último terço permitiu também a Sporar focar-se em funções exclusivas da sua posição. O esloveno já marca, e isso é bom para consolidar o seu estatuto. Mas nem por isso a equipa escapou à calamidade da fraca eficácia, resultante de alguma falta de esclarecimento na definição do último passe/remate, esbanjamento que teve em Vietto e Sporar os seus rostos mais visíveis, não obstante os bonitos golos que ambos assinaram.
Conseguimos meter as hordas otomanas em retirada. Porém, o golo tardio de Visca — num pénalti forçado, mas também consentido pelo Sporting — garantiu ao Basaksehir o seu 'momento Dunquerque' — a esperança de terem dado um passo atrás mas ainda poderem dar dois em frente.
Foi esta displicência final do Sporting que reavivou uma eliminatória que podia ter ficado fechada ontem, tal foi a supremacia leonina. E, assim, quem se lembrar de nomes como o Rapid Viena, Casino Salzburg, Dínamo Bucareste, Grasshopper, Viking, Gençlerbirligi ou Halmstads, saberá que, na conjuntura actual do clube, um, dois, ou até três golos de vantagem podem significar pouco — e épocas como as de 90/91, 04/05 ou 11/12 têm sido estrelas raras no firmamento europeu. O Sporting ainda vai bem a tempo de ser eliminado. Pois não duvido que o Basaksehir, 2º classificado da liga turca, irá revelar a sua melhor face em casa. Para evitá-lo teremos que, no mínimo, mostrar a ambição que ontem evidenciámos durante uma hora e não retrocedermos para as folias tácticas em que o sr. Silas tem sido pródigo.
Diz a lei de combate ao terrorismo em vigor:
"Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, OU AINDA INTIMIDAR CERTAS PESSOAS, GRUPOS DE PESSOAS OU A POPULAÇÃO EM GERAL".
E prossegue, tipificando os actos enquadráveis no conceito, entre os quais:
"a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de [inter alia] libertação de substâncias radioactivas OU DE GASES TÓXICOS OU ASFIXIANTES, etc"
Portanto, face ao que tem sido um comportamento consistente de agressões e ameaças, que conheceu episódios como o de Alcochete, a espera no Funchal, o arremesso de tochas contra atletas do Sporting, as invasões à garagem dos jogadores, a perseguição ao plantel nas ruas de Londres, o "Alcochete sempre", a invasão de bancadas no João Rocha, as tentativas de agressão aos órgãos sociais do clube, a destruição de carros, culminando ontem nas repugnantes agressões a membros do conselho directivo do SCP (incluindo a vil humilhação de uma rapariga de 16 anos), creio ser a hora de chamarmos os bois pelos nomes. A Juve Leo cumpre hoje vários dos requisitos apensos a uma organização terrorista. A Juve Leo é uma organização terrorista. Opera em território nacional. A sua religião é o ódio. O ódio pelo clube em tudo o que difere da sua visão medieval. E os aterrorizados somos nós, adeptos sportinguistas, atletas sportinguistas, funcionários sportinguistas, dirigentes sportinguistas.
O governo tem, por isso, nas suas mãos os meios legais para uma acção musculada contra este e outros grupos. Estamos perante uma epidemia de violência que devasta todos os estádios do país. Se não age, é por manifesta falta de vontade política. Falha na mais sagrada das missões: proteger os cidadãos, punir os infractores. É desgoverno em vez de governo. Não serve.
Sejamos muito claros. O que está aqui em causa é a própria sobrevivência do SCP. Ser ou não ser, eis a questão. Tudo se resume a isso. Há anos que bato na mesma tecla. Era tudo tristemente previsível. Mas repito, ainda assim: mais urgente do que mudar o plantel é desmontar estes grupos, reconquistar a bancada sul e devolvê-la a todos nós. A mensagem que este tipo de actos envia é clara: dirigentes, sócios ou atletas, ninguém está a salvo. Por cada pontapé há uma renovação que fica em risco, por cada tocha há um reforço que não vem, por cada cuspidela há um investidor que desiste, por cada soco uma Gamebox que fica por vender. Com isto, o seu objectivo fica estabelecido: matar o clube.
Virão agora aqueles que dizem pertencer à referida claque apenas por exaltado afecto leonino. "Há muita gente decente nas claques", dizem eles. Lobos em pele de cordeiro, cuja nobreza de carácter seria melhor provada se se distanciassem de tais grupos, ao invés de fazerem tão desconchavada defesa. A cumplicidade destes, se não é material, é seguramente moral. Tal como o é a cumplicidade de toda e qualquer claque que toma como suas as dores desta súcia de fanhosos. Conheço bem a laia. Fortes com os fracos, fracos com os fortes. Selvagens em matilha, mas lacaios de brega quando sós, às ordens da avozinha que lhes faz os papos-secos com marmelada ao lanche.
Se há gente decente nestes grupos, é por eles que (também) passa a solução. Saiam, lavem-se de pecados, rompam com este esfíncter gretado em sal, este ralo de pilosidades sebosas, este joanete a céu aberto, este traque cozido atrás da barraca, este urinol clandestino de idiotas, estas excrescência de tumores purulentos, esta gonorreia contraída em fétida viela e ejaculada em antros de fake news virtuais — latrina de chapa liderada por sobas pançudos criminalmente laureados.
Quanto a Frederico Varandas, mais do que rasgar as vestes, o que deve fazer é admitir os seus erros, fazer reset ao projecto e largar os pesos mortos que tem na estrutura. Em suma, ajude-nos a ajudá-lo, por favor! Pelo Sporting, pelo bem comum. Seja humilde, rodeie-se dos melhores.
Perante isto, a vitória do Sporting cai obrigatoriamente para segundo plano. Mas também por causa disto, deu-me um gozo tremendo.
P.S.: mais de 24 horas após o sucedido, ainda não ouvi uma única palavra de solidariedade por parte de putativos candidatos e opositores. Um silêncio que vale por mil palavras. Fica registado.
Fechem um tipo dentro dum caixão e atirem-no ao mar — o que vai ele ouvir? O rugido embotelhado dum universo oblíquo, a solidão indefinível de barbatanas e galeões, a contagem decrescente da morte. Em suma, mais ou menos o que qualquer adepto que esteve ontem em Alvalade ouviu. As palmas tristes dum império falido, o trote abafado de soldados em fuga, as suásticas verbais de alguns em transição para o Chega. Pelo menos durante os primeiros 45 minutos. Um ambiente agoirento, bizarro, nas bancadas, agudizado pela postura de dois dos principais protagonistas deste drama: na tribuna um presidente a fazer-se de morto, na curva sul as claques a fazerem-se de vivas. Vivemos num mundo bizarro, onde o que nos separa da insanidade é a admissão da nossa condição. E enquanto cada um cava a sua trincheira, o SCP definha nesta ladainha exibicional. Ganha um, perde dois. Ganha dois, perde um. Será assim até ao fim. O equilíbrio perfeito para a salvaguarda deste irrespirável status quo.
12000 nas bancadas deve ser um recorde negativo em jogos da Liga. E 25 minutos sem tocar na bola deve ser novo recorde para Jesé. Razão pela qual impõe-se a pergunta: perdido por um, perdido por mil, porquê esta insistência num fulano que não acrescentou rigorosamente nada a não ser uma pilha de facturas? Porque não aproveitar o resto da época para dar oportunidades aos mais novos? Se há, afinal, talento em Alcochete (P. Mendes, Max, Jovane, etc), porquê atafulhar o plantel de forasteiros medíocres? "Perguntas. Perguntas", repetia, gélido, Roy Batty, o "replicant" artificial de Blade Runner, antes de suprimir a vida do seu criador.
No meio do desnorte inicial, quem tem raça é rei. E quem tem raça é Ristovski, um jogador que continua a desafiar o destino a cada novo dia. Seria pneu sobressalente num candidato ao título. Neste Sporting é lufada de ar fresco. Estranhamente certeiro em pleno desnorte colectivo, tipicamente generoso, omnipresente. Não foi cura para coisa nenhuma, mas da sua confiança germinou a semente que floresceria na 2ª parte. E com a sua lucidez obstou a males maiores, quando já a bola corria para uma baliza desamparada.
Não que o Marítimo tenha sido um rival complicado. Igualmente confuso no passe e pouco rigoroso na construção, foi nesta displicência intermédia que o futebol de Wendel acabou por prosperar e Doumbia achou espaço para respirar. Fernandes, ao seu estilo, foi consequente quer no sucesso, quer no insucesso. Um cruzamento falhado gera sempre um embaraço alheio que termina invariavelmente em canto. Um passe errado carrega em si virose que adoece o adversário de confusão. E um pontapé certeiro abre na trave uma escala de Richter. Os dois lados podem ter-se equivalido pelo bocejo nos primeiros 45'. Mas foi sempre o Sporting que demonstrou mais vontade de ganhar.
Todos andam em negação. Em negação as claques quanto à queda do seu boçal guru. Em negação outros quanto à incapacidade desta direcção. Em negação Silas, que emergiu do jogo com ideias de apanhar o FCP no 2º posto. Ter objectivos é bom. Eu também quero um dia marcar numa final da Champions. Porém, há ironias destas. Talvez seja precisa uma certa dose de negacionismo para se treinar. Estas coisas são contagiosas e os balneários cenários idílicos para pandemias psíquicas. E foi porventura assim, neste clima de delírio colectivo, que os jogadores emergiram do balneário para a 2ª parte, em negação quanto à sua morte desportiva, em negação quanto ao velório na plateia, em negação quando à 1ª parte, mergulhados numa febre competitiva que proporcionou alguns dos minutos mais agradáveis que eu vi o Sporting oferecer nos últimos meses. Se foi tudo a fingir, não sei. Mas ganharam-se mais uns segundos de vida no caixão. O presidente pode continuar a fazer-se de morto e as claques podem continuar a fazer-se de vivas. Pelo menos por mais uma semana.
P.S.: A notícia foi a estreia de Sporar, mas o destaque vai para o regresso de Jovane à competição.
O Sporting precisava desesperadamente dum ponta-de-lança. Ele aí está. Sporar é, inequivocamente, um ponta-de-lança.
Porque há questões várias que se levantam com esta aquisição, o melhor que pode acontecer a Sporar é facturar logo dois ou três golos nos primeiros jogos e cair depressa no goto dos adeptos. O pior que pode acontecer é tudo manter-se na mesma, mergulhando logo Sporar na mesma nuvem de suspeição que mina todo o plantel. Daí — como se vê — é muito difícil escapar com vida.
Sporar não carrega apenas a responsabilidade de suprir de golos uma equipa em crise atacante. Carrega também o peso de uma gestão que traz no currículo flops vários, entre saídas incompreensíveis e contratações falhadas. A pressão é, portanto, redobrada, a margem de erro limitada.
Agora perguntarão as pessoas porque é que Sporar, tendo o registo impressionante que tem no campeonato eslovaco, não era perseguido por Inter, Chelsea ou Bayern, mas sim por Sporting, Celtic e Al-Gharafa. Porque tinha o passe avaliado em 2.5 milhões, e não em 15 ou 20 milhões? A resposta é simples e curta. Porque a liga eslovaca não vale um chavo. Efectivamente, o campeonato da Eslováquia situa-se apenas no 30º lugar do ranking da UEFA, atrás de ligas como a da Roménia, Bulgária, Cazaquistão, Bielorússia, Azerbaijão, etc. Está para a Europa dos grandes como os distritais estão para a Liga NOS. Há lá Zéquinhas vários com 20/30 golos, mas isso pode não querer dizer nada.
Outra pergunta. Sporar chega por 6M (+ objectivos). É praticamente o mesmo valor da venda de Bas Dost (7M). Isto faz algum sentido? Por este valor, não havia nenhum avançado numa liga minimamente competitiva que pudesse exponenciar o seu rendimento num campeonato intermédio como o nosso? Tanto mais que as passagens de Sporar por Basileia e Arminia Bielefeld (II. Bundesliga) foram um rotundo fracasso. Há aqui um risco claro.
Marega, por exemplo, custou ao Porto 4 milhões. Mitroglou custou ao Benfica 7 milhões, vindo do Fulham. Zé Luís veio do Spartak por 8.5M e Seferovic chegou do E. Frankfurt a custo zero. Escuso de ir mais longe.
Urge por isso a pergunta: será que o scouting do Sporting viu o que mais ninguém viu? Onde não existem certezas pode haver esperança. Esperemos que o seu real valor esteja mais próximo da sua prestação na Liga Europa deste ano (5 golos), porque o seu registo na Eslováquia diz-me pouco.
Resolve-se um problema, surgem outros. A descaracterização do ADN Sporting no plantel principal continua prego a fundo. Se olharmos para o nosso onze-tipo, verificamos que, actualmente, só existem um jogador da formação e dois portugueses. Tudo isto merece a nossa reflexão.
O Sporting entrou em 2020 como começou 2019: desferindo socos às cegas dentro do saco escuro das suas incoerências. Daí resultaram alguns momentos de graça, meia-dúzia de arritmias nas bancadas, duas bolas nos postes, cinco cartões amarelos e mais uma vitória moral para o museu. No fim, erros de marcação e ineficácia custaram-nos os 3 pontos. Mas a realidade que releva da partida poderá custar-nos muito mais do que isso. Ou não estivéssemos nós num mês totalmente decisivo para o clube, cujos testes de fogo para a SAD e Silas implicam recepções ao Porto e Benfica, duas deslocações a Braga e uma eventual final. Perdido o primeiro teste, o Sporting situa-se agora no 4º lugar, atrás do Famalicão, a 12 pontos do Porto e a 16 do Benfica. A estabilidade directiva ficou um pouco mais longe, o abismo mais próximo, e a mudez de Silas no banco permitiu que a transitoriedade da sua posição falasse novamente mais alto.
Naturalmente, após o jogo, o treinador enfatizou a vontade de chegar aos dois primeiros lugares. Seguramente, amanhã, os jornais encher-se-ão de declarações de Hugo Viana a garantir a iminência do título nacional, e de Frederico Varandas a afiançar a enorme qualidade do plantel, fruto do milagre financeiro que alega ter produzido. É impressão minha ou há mesmo uma bebedeira generalizada que impregna todo o clube? Uma bebedeira que arranca já trôpega das bancadas, perde-se a caminho do WC, entra por engano nos corredores do poder arrotando o relato do cantinho do Morais, antes de se estatelar numa poça da sua própria urina, onde escorre o ADN de 18 anos de jejum? As "claques-apenas-em-nome" passam 45 minutos em silêncio, um movimento da carochinha lança um manifesto destitutivo 24 horas antes dum clássico e a direcção desdobra-se em fanfarronices propagandísticas que mais não são que tofu de alguidar. Mas sobre o estado da nação sportinguista escreverei amanhã.
Assim, os optimistas dirão que o Sporting jogou bem, foi superior, teve as melhores oportunidades. E se olharmos para os 25' iniciais da 2ª parte, diria que não andam longe da verdade. Já os pessimistas dirão que a 1ª parte foi uma maçada, uma manifestação empírica do corpo enfermo que o Sporting habita. A verdade talvez esteja algures no meio, mas onde a ilusão não chega sobram aqueles 20 minutos finais, apogeu do colapso físico e mental, cobrança final dum esforço que implica sempre duas frentes de corrida: contra o adversário e contra nós próprios. Pois enquanto a pedalada durou, o Sporting, na pior das hipóteses, foi sempre um osso duro de roer para os azuis (sérios, mas cinzentos); na melhor das hipóteses chegou a emanar um ar de supremacia que, na realidade, não existe.
Ironicamente, o melhor do Sporting esteve também na raiz do seu colapso. Por três vezes Vietto teve o golo feito nos pés. Por três vezes falhou, alheio à lição de Acuña. Por algum motivo no Atletico Madrid não quiseram ficar com ele. Pese embora todo o seu talento, Vietto não tem golo, e a intensidade é pouca. Em Setembro "apostei" com os leitores que Bolasie, Jesé e Fernando, os três juntos, não fariam metade dos golos que Bas Dost fez na sua pior época em Alvalade. Se calhar até posso juntar Vietto a esse grupo, com alguma folga. Como Fernando não joga desde o tempo da Dona Branca, e os restantes só facturam no 2º anel, é fácil de ver que vou ganhar essa aposta (com juros), para desgosto dos iluminados que adjectivaram Dost de "cepo dispendioso". Foi essa noção do leite derramado que ficou a pesar na consciência duma equipa que reconhece as suas debilidades. Por isso, quando Soares desfez o empate, a fita puxou atrás e o complexo de culpa cristalizou-se. O empate estava no futuro, mas a equipa queria era refazer o passado. Ficou presa na nortada. Mais do que a boa 2ª parte, ou a esforçada 1ª parte, são os últimos 20' que melhor definem a época do Sporting.