Socos No Escuro // Sporting 1 FC Porto 2
O Sporting entrou em 2020 como começou 2019: desferindo socos às cegas dentro do saco escuro das suas incoerências. Daí resultaram alguns momentos de graça, meia-dúzia de arritmias nas bancadas, duas bolas nos postes, cinco cartões amarelos e mais uma vitória moral para o museu. No fim, erros de marcação e ineficácia custaram-nos os 3 pontos. Mas a realidade que releva da partida poderá custar-nos muito mais do que isso. Ou não estivéssemos nós num mês totalmente decisivo para o clube, cujos testes de fogo para a SAD e Silas implicam recepções ao Porto e Benfica, duas deslocações a Braga e uma eventual final. Perdido o primeiro teste, o Sporting situa-se agora no 4º lugar, atrás do Famalicão, a 12 pontos do Porto e a 16 do Benfica. A estabilidade directiva ficou um pouco mais longe, o abismo mais próximo, e a mudez de Silas no banco permitiu que a transitoriedade da sua posição falasse novamente mais alto.
Naturalmente, após o jogo, o treinador enfatizou a vontade de chegar aos dois primeiros lugares. Seguramente, amanhã, os jornais encher-se-ão de declarações de Hugo Viana a garantir a iminência do título nacional, e de Frederico Varandas a afiançar a enorme qualidade do plantel, fruto do milagre financeiro que alega ter produzido. É impressão minha ou há mesmo uma bebedeira generalizada que impregna todo o clube? Uma bebedeira que arranca já trôpega das bancadas, perde-se a caminho do WC, entra por engano nos corredores do poder arrotando o relato do cantinho do Morais, antes de se estatelar numa poça da sua própria urina, onde escorre o ADN de 18 anos de jejum? As "claques-apenas-em-nome" passam 45 minutos em silêncio, um movimento da carochinha lança um manifesto destitutivo 24 horas antes dum clássico e a direcção desdobra-se em fanfarronices propagandísticas que mais não são que tofu de alguidar. Mas sobre o estado da nação sportinguista escreverei amanhã.
Assim, os optimistas dirão que o Sporting jogou bem, foi superior, teve as melhores oportunidades. E se olharmos para os 25' iniciais da 2ª parte, diria que não andam longe da verdade. Já os pessimistas dirão que a 1ª parte foi uma maçada, uma manifestação empírica do corpo enfermo que o Sporting habita. A verdade talvez esteja algures no meio, mas onde a ilusão não chega sobram aqueles 20 minutos finais, apogeu do colapso físico e mental, cobrança final dum esforço que implica sempre duas frentes de corrida: contra o adversário e contra nós próprios. Pois enquanto a pedalada durou, o Sporting, na pior das hipóteses, foi sempre um osso duro de roer para os azuis (sérios, mas cinzentos); na melhor das hipóteses chegou a emanar um ar de supremacia que, na realidade, não existe.
Ironicamente, o melhor do Sporting esteve também na raiz do seu colapso. Por três vezes Vietto teve o golo feito nos pés. Por três vezes falhou, alheio à lição de Acuña. Por algum motivo no Atletico Madrid não quiseram ficar com ele. Pese embora todo o seu talento, Vietto não tem golo, e a intensidade é pouca. Em Setembro "apostei" com os leitores que Bolasie, Jesé e Fernando, os três juntos, não fariam metade dos golos que Bas Dost fez na sua pior época em Alvalade. Se calhar até posso juntar Vietto a esse grupo, com alguma folga. Como Fernando não joga desde o tempo da Dona Branca, e os restantes só facturam no 2º anel, é fácil de ver que vou ganhar essa aposta (com juros), para desgosto dos iluminados que adjectivaram Dost de "cepo dispendioso". Foi essa noção do leite derramado que ficou a pesar na consciência duma equipa que reconhece as suas debilidades. Por isso, quando Soares desfez o empate, a fita puxou atrás e o complexo de culpa cristalizou-se. O empate estava no futuro, mas a equipa queria era refazer o passado. Ficou presa na nortada. Mais do que a boa 2ª parte, ou a esforçada 1ª parte, são os últimos 20' que melhor definem a época do Sporting.