Para Um Sporting Indivisível Temos Que Assumir a Sua Divisão
Sobre a ideia da indivisibilidade do Sporting, tenho-a aflorado ocasionalmente nesta página — e com mais insistência desde os trágicos acontecimentos de 2018. Se já a tinha formada na cabeça, os últimos desenvolvimentos serviram para cristalizar os seus aspectos mais prementes.
Para o bem e para o mal, um novo clube saiu do verão desse ano. A ideia de um SCP policromático, casa de diversas sensibilidades e correntes, foi estilhaçada pela emergência de duas grandes facções conflituantes: uma pela restauração de uma certa decência histórica, outra pelo populismo. Nos dois anos subsequentes houve muito quem acalentasse, em vão, a ilusão de um clube reunificado, revivalismo moderno de uma era passada. Essa ilusão não só provou ser descabida, como se viu desarmada pela realidade, e tende a agudizar-se com a decisão (correcta) de negar a AG destitutiva e com o agravamento dos resultados até final da época.
O Sporting que uns dizem amar não é o Sporting que nós amamos. E para que o Sporting que eles dizem amar exista, este Sporting tem que morrer. Ou é como eles querem ou não há Sporting para ninguém. É esse o mantra, e não será derrotado com meias medidas.
Não escapa às observações de ninguém que os maiores focos de desestabilização se concentram na curva sul. Ora, o que abunda na mesma bancada? Claques. É portanto justo assumir que muitos destes adeptos têm ligações, afinidades ou proximidade com as claques. Mas, mais do que claques, impera ali uma mitologia. A mitologia da força sobre a lei, do futebol tribal, do ódio clubístico, da supremacia de um sportinguismo sobre outro.
Assim, temos de considerar a seguinte pergunta: o que mais pretende esta categoria de pessoas? De um modo geral, viver o Sporting como uma transmissão ininterrupta do "Pé Em Riste". Celeumas, indignações, contra-comunicados, golpes de teatro, murros na mesa, e também — algo comum a todos nós — golos na baliza. Muitos deles identificam esse modo de estar com o presidente destituído, outros com putativos candidatos, mas quase todos vêem desde o primeiro minuto Frederico Varandas como o principal obstáculo a esse devir. Há aqui um desequilíbrio químico com aspectos de toxicodependência.
Como podemos então desmantelar este 'pathos'? Não através de purgas anti-democráticas, mas sim de formas legítimas que permitam concretizar os mesmos objectivos. Para esta receita são necessários, sobretudo, dois ingredientes: astúcia e paciência. Não podemos fechar a bancada a quem comprou Gamebox, mas podemos preparar os próximos passos para dissolver a presença desses elementos naquele sector. Pois aquele sector — no estádio como no pavilhão — é para eles o sítio onde bate o coração desse sectarismo. Podemos e devemos considerar uma claque oficial em detrimento de todas as outras. Podemos e devemos expulsar as claques problemáticas, e pegar nas que não o são para um diálogo interno sobre o futuro unívoco dos GOA sob a alçada jurisdicional do clube. Não podemos alimentar a retórica radical com mais retórica radical, mas podemos neutralizar essas paixões com um comportamento ponderado e condigno. Não menos importante, o presidente deve rodear-se de pessoas capazes de quantificar em alma e feitos os sonhos dos sportinguistas. É esta a morte por mil golpes que recomendo para acabar com esta Hidra.
O corte terá de ser profundo e limpo. Mas, com as medidas certas, poderemos dar azo a uma espécie de selecção natural. Desprovidos da 'droga' que lhes alimenta a festa, esses elementos serão confrontados com duas opções: reunirem-se a nós na bancada como adeptos normais, ou afastarem-se do clube de vez. Seja como for, a dissolução estará alcançada, a cisão concretizada.
Quando há duas mentalidades inconciliáveis, manda a razão que se assuma a guerra em todo o seu horror. Chegámos a esse ponto. E, numa guerra, só pode haver um vencedor. Pugnemos então para que sobreviva a ordem, não a anarquia.
Possivelmente, teremos que conformar-nos em prosseguir feridos na nossa base popular, enfraquecidos, diminuídos — pelo menos durante um período. Porém, o que pode parecer fraqueza a uns, é na realidade força. O que poucos fazem em união, muito não fazem em divisão.
A performance de FV na entrevista à TVI pareceu-me das mais sólidas do seu mandato. Não obstante, quando confrontado com a real natureza das divisões no clube, chutou para canto, remetendo para as direcções dos GOA o ónus da culpabilidade, e recusando as razões da fracturação interna do clube, que tem como uma das suas raízes a criação das claques — primeiro uma, depois muitas. Até à data, ninguém desta SAD soube ainda identificar os verdadeiros motivos da decadência acentuada do clube. E isso preocupa-me.