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O Esférico

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05
Mar20

Pára o Baile

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O recentemente falecido Vasco Pulido Valente deixou-nos estas palavras, escritas em 2006, as quais assentam que nem uma luva aos factos ontem ocorridos:

«Na história do Apito Dourado, por exemplo, o ponto mais típico e revelador, no fundo, o ponto mais português, não é o descaramento ou o cinismo, é o tom de intimidade, às vezes, de verdadeira estima da conversa. "Ó pá, ó fulano, ó amigo", repetem os vários vigaristas com um inconfundível calor de família. E, num certo sentido, são mesmo pessoas de família, que durante anos se ajudaram, se aldrabaram ou zangaram para maior glória do futebol. Torcer uma regra ou subornar um árbitro entra numa velha rotina, que já ninguém considera estranha ou condenável.
No caso do Apito Dourado, a "escuta" abalou a tradição. Um acidente sem grande importância. Em Lisboa inteira, e suponho que em Portugal inteiro, os donos da economia, do sector público e do sector privado jantam e almoçam em público, com inteiro sossego, para trocar "informação interna" ou traficar influência. [...] Como o patriótico pessoal do futebol, também eles se conhecem: da faculdade, de uma empresa, de um governo qualquer. Pior (ou melhor) ainda: a mulher do A é cunhada do C, o filho do B casou com a sobrinha do F, e por aí fora, sempre à volta. Uma palavrinha aqui, um favorzinho ali, não lhes parece nada de extraordinário. [...] Uma sociedade pequena e pobre (e, por cima, católica) gera necessariamente corrupção. O número, o anonimato e a distância reforçam o rigor; a estreiteza, a convivência e a proximidade criam o mundo paralelo dos "compadres".»

Se há acaso feliz que decorre das novidades de ontem, esse tem a ver com a transversalidade das suspeitas. Não há argumento exculpante para o típico adepto obtuso, que por defeito vê em qualquer investigação individualizada o focinho odioso de uma obscura conspiração contra o seu clube de eleição. A malta, na miséria partilhada, torna-se mais mansa, mais convidativa à justiça. "Está bem, se tu vais ao fundo, eu também não me importo de ir", lá confessam, a esforço. Porque também o futebol português habita neste microcosmos de pulhice contagiosa, em que os seus protagonistas se infectam mutuamente de esquemas transmitidos a passou-bens no terraço do Ritz, não surpreende que o mais pequeno pontapé numa pedra revele logo, sem esforço, uma ninhada de lacraus. Para uma investigação tecida durante 5 longos anos, é natural que vá tudo na rede.

Sem surpresa, os suspeitos do costume coleccionam mais um dia em tribunal. Pinto da Costa, Vieira, Salvador, Bruno de Carvalho, Carlos Pereira, etc. Está lá a corja (quase) toda. Têm o medalheiro cheio, não é difícil imaginá-los a partilharem com os netos, galhofeiros, a história de cada acusação. "Olha, esta ganhei por causa duns chocolatinhos que ofereci a fulano... escapei-me por pouco por uma viela processual", diz um. "Esta foi quando roubei um camião. Não fosse a amnistia do doutor...", afiança outro. Previsivelmente, estão todos satisfeitíssimos por "colaborar com a justiça". Do alto do pagode, declaram-se todos inocentíssimos. Não fosse a terrível maçada das trafulhices, colaborariam com a justiça até nas horas vagas, eu sei... É como a velha história do peido: cheira mal, mas ninguém se acusa.

O nomeado-surpresa da noite foi mesmo Varandas. Por casos que, alegadamente, dizem respeito ao mandato de BdC, por fado fatal ou vontade própria, a verdade é que embarca na sua primeira "travessia do arguido". Para ele também fica a lição: não há dama que arremeta dois virtuosos passos pelo pantanal lusitano sem imediatamente ficar com os saiotes salpicados de lama. Foi a sua estreia, e talvez não seja a última.

Quanto a mim, é motivo de regozijo sempre que a justiça sacode a poeira dos manuais. Há muito que esta pocilga precisa duma varridela geral.

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