Um Jovane No Deserto // Sporting 1 P. Ferreira 0
É possível que Amorim saiba algo sobre o futuro de Mathieu que nós não sabemos. Ou que o véu do balneário oculte delitos que os olhos não vêem. Encostar o melhor defesa do Sporting para vincar a sua autoridade seria sempre uma opção controversa. Mas, na sua própria lógica retorcida, traz um grãozinho de sanidade ao planeamento da próxima época.
Mathieu é um dos melhores centrais que já passou pelo clube. É, para mim, o melhor a actuar hoje no país. Um elemento vital na equipa. Estes são factos que não nos oferecem contestação. Mas não formam a imagem completa do activo. Pois é precisamente a sua importância que o torna um elemento desestabilizador. Desde que chegou ao clube, o francês perdeu 29 jogos por lesão, equivalentes a 5 meses de paragem. Perdeu mais, na realidade, porque a sua condição obriga a que seja poupado frequentemente. No total, Mathieu tem uma taxa de ausência na ordem dos 25% no campeonato — um quarto dos jogos. Comparativamente, Coates não totaliza sequer 3 meses de paragem em 4 temporadas de leão ao peito. A defesa é montada em redor de Mathieu, naturalmente. Mas, devido a esta irregularidade, não consegue jamais atingir a estabilidade ideal. Caminha sobre brasas, entre o medo de não contar com o seu líder e a euforia de contar com ele. Muitos dos nossos problemas defensivos explicam-se nestes termos, por paradoxal que seja.
Amorim até pode ter comprado uma guerra inútil (não sabemos). Mas, ao fazê-lo, está também a apontar o caminho para o futuro. O Sporting tem que começar a olhar além de Mathieu.
Vietto é outro jogador na mesma linha. Um craque puro, visionário, elegante. Mas falta-lhe intensidade, fôlego, dimensão física, consequência. Quando está em campo — como ontem — traz ideias a um conjunto vegetativo. Quando se ausenta — como muitas vezes sucede — o rendimento da equipa cai na lama.
Enquanto o Sporting tiver estes como as suas referências, e as suas referências forem mera matéria fátua, o clube jamais poderá orquestrar um ataque credível ao título.
E é preciso falar sobre estas questões do futuro, porque nos é impossível falar sobre o jogo de ontem com conversa de gente, tão pobre foi. Pese todo o colorido táctico que se tentou emprestar à equipa, a verdade é que um jogo que servia para nos aliviar as dores da pandemia, acabou por relembrar-nos, de forma brutal, que este continua a ser o mesmo Sporting que está a 17 pontos do líder, que disputou meia época com um ponta-de-lança no plantel, que levou 4-1 do Basaksehir, que foi eliminado pelo Alverca, que contratou Jesé, que vai no seu 4º treinador esta época e que continua a socorrer-se de tipos como Borja ou Eduardo.
A exibição de ontem é consequência desta mantinha de desvarios. Nesse sentido, a vitória só poderia mesmo fazer-se por imaculada concepção, cortesia de Jovane, que, de coisa nenhuma, fez um golo que é tudo. De resto, tirando as arrancadas do cabo-verdiano, um par de defesas de Max, o acerto dos centrais, o voluntarismo de Acuña, e uma ou outra incursão de Wendel, não se aproveitou nada nem ninguém. Mas é na pré-época que se fazem experiências. E nunca a Liga me pareceu tanto uma pré-época oficial como agora.