Nasceu Torto // Benfica 2 Sporting 1
O Benfica ainda deu 5 minutos de avanço, cedendo à nação leonina uns raros vislumbres de tele-entusiasmo com um par de arrancadas na direcção da baliza de Vlachodimos. Mas não foi preciso esperar muito até que a máscara caísse ao Sporting, revelando os seus verdadeiros objectivos para o derby.
Para o Sporting, aquilo parecia um treino específico cujos objectivos se resumiam a passar para o sítio errado, correr para buracos insofismáveis e atirar os braços ao ar em esbaforida consternação, numa tentativa de estudar os diferentes vectores do falhanço. Face à pressão alta do Benfica, e com poucas linhas de passe, os centrais leoninos responderam à abstrusa responsabilidade de saírem com bola com incompetente diligência, missão que cumpriram religiosamente durante cerca de 35', durante os quais entregaram a bola ao adversário — sem exagero — mais de 10 vezes junto à grande área (e às vezes dentro dela). E, enquanto os pupilos de Amorim cumpriam rigorosamente a inovadora metodologia, as ocasiões sucediam-se para os encarnados, até que o golo de Seferovic surgiu, não como uma punhalada súbita, mas como o fim lógico de um longo obscurecimento de faculdades.
Perante isto, qualquer treinador, confrontado com esta falta de soluções, teria ordenado aos seus defesas que, no mínimo, despejassem a bola na frente, em vez de a entregarem nataliciamente aos rivais. Mas não Amorim — e é por isso que gosto dele. A coerência é uma qualidade que prezo muito. Se a perdem cinco vezes, também a podem perder vinte. Não tem preço a fidelidade a um certo estilo de jogo.
Na 2ª parte, contudo, os pressupostos do jogo mudaram ligeiramente. As perdas de bola infantis continuaram a ser compulsórias, mas a entrada de Tiago Tomás, um Wendel mais cooperante com a saída de jogo, e um futebol mais directo a partir da retaguarda, permitiram que o Sporting rechaçasse o Benfica para terrenos mais inférteis e impusesse ao jogo as presenças até aí anódinas de Jovane e Sporar — tendo este último marcado no único toque decente que teve em toda a partida, após cirúrgica assistência de Tomás. Foi durante esses 25/30 minutos que o Sporting mostrou o seu melhor futebol, permitindo arrancar ao marasmo inicial exibições reconfortantes de Matheus, Nuno Mendes e Wendel, assim como o contributo precioso de Ristovski (eficaz a fechar, pressionante a subir) e Luís Neto (um oásis de experiência que evitou um descalabro prematuro).
Infelizmente, talvez sem o saberem, já estavam em marcha os acontecimentos que atirariam o Sporting para o 4º lugar, mercê da exibição pírrica frente ao Setúbal, à qual a reviravolta bracarense frente ao Porto e as graduais cedências da imaturidade leonina à eficácia benfiquista perto do fim apenas vieram amargar o travo de fatalismo que nos persegue, e que parece sempre óbvio à distância.
Acabou derreado o que nasceu torto. Ainda assim, este jogo não deixa de ser uma lição de matemática valiosa. Se "o mesmo" só chega para 30 minutos de futebol competitivo, "mais do mesmo" para 30 minutos chegará. Há quem saiba fazer contas destas na SAD?
P.S.: eu não páro de avisar: escorregadelas antes do Benfica dá derrota com o Benfica. Entre aquela gente toda, não creio que haja uma grama de noção histórica.