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O Esférico

Página independente de apoio ao Sporting Clube de Portugal. Opinião * Sátira * Análise * Acima do Sporting Mais Sporting

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O Esférico

19
Jun20

Sem Remorsos // Sporting 2 Tondela 0

O Esférico

105037087_10156993348716555_7928311085452321661_o.

Rúben Amorim não está na disposição de pedir desculpas a ninguém. 13 milhões pela sua contratação? Foi porque quiseram. Reabilitar o 3-4-3 das cinzas da história? É o que tiver de ser. Entrar com oito miúdos em campo? Se o desafiarem, ainda mete mas é o Coro Juvenil de São Pedro do Mar a jogar também (não o desafiem).

Com tantas veleidades de ordem radical, era inevitável que os jogadores também lhe começassem a emular o pirete, uma revienga aqui, uma ultrapassagem em traço contínuo ali, uma fuga pelas traseiras além, uma ida sem máscara à área contrária acolá... Vemos este descaramento desportivo — cujo sustento real é uma salutar disciplina táctica —, por exemplo, na incursão nocturna de Plata por território hostil (da qual resultou o 1º golo), na cuequinha que Quaresma inflige ao avançado afoito, ou, súmula da inspiração, no último lance de génio de Jovane na partida, quando, simulando no grande círculo um vago interesse pelo sonambulismo, arranca, subitamente, afogueado por aguda traquinice, executando uma sinfonia vertical que só foi calada com um tiro nos pés. (Este, meus caros, é o tipo de raciocínio artístico que só talentos inatos como De Bruyne ou Bruno Fernandes executam.)

E ninguém tem sido maior depositário da mentalidade Amorim do que o próprio Jovane, um rapaz que a dada altura chegou a ser dado como morto, autopsiado, embalado e etiquetado — resgatado à última da hora, antes de enfeitar as prateleiras do mercado do futebol, por um treinador que sabe que o talento puro, conjugado com intrínseca humildade, deve ser nutrido, não descartado.

Esta perspectiva tem particular interesse numa altura em que o reatar do campeonato tem sido marcado pela timorata rigidez dos rivais, quiçá acorrentados às responsabilidades inatas da maturidade. No Sporting, a despreocupação gerou toda uma nova fé nesta pré-época improvisada. Joga-se hoje, mas a bola rola para o amanhã. E, ungidos com o voto de confiança de que precisavam, a miudagem traz à Liga a audácia que tem escasseado neste primado do medo.

A verdade é só uma. Se o campeonato tivesse começado em Junho, o Sporting estaria à frente de Porto, Benfica e Braga. Porque há entusiasmo pelo novo treinador, porque há espaços a conquistar, porque o percurso que findou em Março parece uma memória distante, e porque de quarentena continuam as tensões internas do universo leonino, mantidas à distância pela cerca sanitária da pandemia.

Mas não começou. No mundo real das paixões de bancada, da competição extrema e do empresariado selvagem, é possível que este 'status quo' caísse por terra. O tempo está suspenso para Amorim poder aferir quem é Jovane e quem é Djaló, quem é Nani e quem é Paim, e assim ordenar as peças do xadrez em conformidade com o que será a austeridade dos próximos tempos. Temos, pelo menos, essa modesta vantagem. Enquanto Benfica e Porto disparam os últimos fulminantes de uma era pomposa, o Sporting já entrou nessa nova era futura — a era da formação. E tenho cá para mim que será este novo leão que decidirá o último dos velhos campeonatos, indo roubar pontos à Luz ou ao Dragão.

Melhor augúrio dos novos tempos não poderia haver.

17
Jun20

O "Comandante" Weigl

O Esférico

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É nítido que os jornais desportivos hoje mais não são que "moços de recados" dos gabinetes de comunicação dos grandes clubes. Em suma, um desperdício de tempo e dinheiro.

Sem qualquer pudor que lhe acuda, o jornal "A Bola" assume-se orgulhosamente como o fiel escudeiro desse viveiro de suspeitas a que ainda hoje chamamos, piedosamente, Benfica.

Weigl foi propalado como o grande sucesso de bilheteira de Janeiro. Para não destoar, o Benfica desembolsou uns exorbitantes 20M pelo petiz.

Não posso deixar de notar, contudo, que desde a chegada do alemão os resultados do Benfica têm caído a pique. Se, numa primeira fase, o Benfica acumulara 20 vitórias, 4 empates e 4 derrotas, após a entrada do ex-Dortmund os registos estancaram numas agonizantes 7 vitórias, 6 empates e 3 derrotas. Pré-Weigl: 2.28 pontos por jogo. Pós-Weigl: 1.68 pontos por jogo.

Algo não correu bem nos cálculos. E, a julgar pelos resultados, o contabilista da obra foi o mesmo que arquitectou o saudoso RDT.

A opinião dum Sportinguista confesso é uma coisa. Mas acontece que este pormenor não escapou ao, por estes dias, olhar cortante dos adeptos encarnados, que não se furtaram a mencionar esse facto, não obstante as odes marítimas trauteadas à ceia pelo despreocupado Lage.

Por isso mesmo, com a devida diligência, os amigos de "A Bola" dedicam hoje a sua primeira página à nobre arte de polir nabos. É preciso relembrar que, melhor do que ganhar jogos, o que importa é que o sr. 20 milhões pegou no "comando" do navio — mesmo que o navio seja uma chalupa em naufrágio acelerado.

13
Jun20

Um Jovane No Deserto // Sporting 1 P. Ferreira 0

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É possível que Amorim saiba algo sobre o futuro de Mathieu que nós não sabemos. Ou que o véu do balneário oculte delitos que os olhos não vêem. Encostar o melhor defesa do Sporting para vincar a sua autoridade seria sempre uma opção controversa. Mas, na sua própria lógica retorcida, traz um grãozinho de sanidade ao planeamento da próxima época.

Mathieu é um dos melhores centrais que já passou pelo clube. É, para mim, o melhor a actuar hoje no país. Um elemento vital na equipa. Estes são factos que não nos oferecem contestação. Mas não formam a imagem completa do activo. Pois é precisamente a sua importância que o torna um elemento desestabilizador. Desde que chegou ao clube, o francês perdeu 29 jogos por lesão, equivalentes a 5 meses de paragem. Perdeu mais, na realidade, porque a sua condição obriga a que seja poupado frequentemente. No total, Mathieu tem uma taxa de ausência na ordem dos 25% no campeonato — um quarto dos jogos. Comparativamente, Coates não totaliza sequer 3 meses de paragem em 4 temporadas de leão ao peito. A defesa é montada em redor de Mathieu, naturalmente. Mas, devido a esta irregularidade, não consegue jamais atingir a estabilidade ideal. Caminha sobre brasas, entre o medo de não contar com o seu líder e a euforia de contar com ele. Muitos dos nossos problemas defensivos explicam-se nestes termos, por paradoxal que seja.

Amorim até pode ter comprado uma guerra inútil (não sabemos). Mas, ao fazê-lo, está também a apontar o caminho para o futuro. O Sporting tem que começar a olhar além de Mathieu.

Vietto é outro jogador na mesma linha. Um craque puro, visionário, elegante. Mas falta-lhe intensidade, fôlego, dimensão física, consequência. Quando está em campo — como ontem — traz ideias a um conjunto vegetativo. Quando se ausenta — como muitas vezes sucede — o rendimento da equipa cai na lama.

Enquanto o Sporting tiver estes como as suas referências, e as suas referências forem mera matéria fátua, o clube jamais poderá orquestrar um ataque credível ao título.

E é preciso falar sobre estas questões do futuro, porque nos é impossível falar sobre o jogo de ontem com conversa de gente, tão pobre foi. Pese todo o colorido táctico que se tentou emprestar à equipa, a verdade é que um jogo que servia para nos aliviar as dores da pandemia, acabou por relembrar-nos, de forma brutal, que este continua a ser o mesmo Sporting que está a 17 pontos do líder, que disputou meia época com um ponta-de-lança no plantel, que levou 4-1 do Basaksehir, que foi eliminado pelo Alverca, que contratou Jesé, que vai no seu 4º treinador esta época e que continua a socorrer-se de tipos como Borja ou Eduardo.

A exibição de ontem é consequência desta mantinha de desvarios. Nesse sentido, a vitória só poderia mesmo fazer-se por imaculada concepção, cortesia de Jovane, que, de coisa nenhuma, fez um golo que é tudo. De resto, tirando as arrancadas do cabo-verdiano, um par de defesas de Max, o acerto dos centrais, o voluntarismo de Acuña, e uma ou outra incursão de Wendel, não se aproveitou nada nem ninguém. Mas é na pré-época que se fazem experiências. E nunca a Liga me pareceu tanto uma pré-época oficial como agora.

11
Jun20

A Comunidade Científica Que Investigue

O Esférico

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A teoria da relatividade assume comportamentos bizarros nos jogos do Benfica e deveria, por si só, suscitar a preocupação da comunidade científica.

Entre o jogo da semana passada e o jogo de ontem em Portimão jogaram-se 17 minutos de tempo suplementar — 7' num e 10' noutro.

Assim à vista desarmada parece-me que há uma anomalia no eixo resultado-tempo que gravita à volta dos encarnados, na medida em que o tempo encolhe ou dilata-se consoante o resultado no marcador.

Resultados negativos parecem ter o efeito de dilatar os descontos e o número de remates para o ar de Dyego Sousa. Resultados positivos parecem ter o efeito de encurtá-los (como aconteceu nos últimos triunfos do Benfica — nos distantes tempos de D. Dinis — frente a Gil Vicente e Belenenses, em que os descontos se ficaram por uns austeros 4 minutos).

É estranho como a percepção das paragens do jogo se torna muito mais minuciosa nuns casos do que noutros.

Temo que, no futuro, uma eventual desvantagem no marcador implique mais 15 ou 20 minutos do imperdível espectáculo de Bruno Lage a contemplar, de mãos nos bolsos e olhar mortiço, a bainha do seu fato de treino Lacatoni.

É que a este ritmo de desaires o Benfica é capaz de chegar ao final da época com mais dois jogos inteirinhos nas pernas do que os restantes rivais — uma grave discriminação cronológica.

Entretanto, enquanto Vieira e Lage foram de mãos dadas ver o mar — quiçá em busca dum caminho marítimo para o Seixal desprovido de viadutos —, o líder encarnado conseguiu completar mais 24 horas sem pronunciar as palavras "claques" ou "No Name Boys" — um feito assinalável, dadas as circunstâncias.

06
Jun20

O Seráfico Benfiquista

O Esférico

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Deve ser uma felicidade ser do Benfica — uma das raras bênçãos desta vida. Imagino eu, que vivo do lado de cá do inferno uma existência abjecta, poluta, imoral e servil. Por acaso sou do Sporting, mas, para tamanha indigência espiritual, tanto faria que fosse do Porto, do Tondela ou do Farense — era igual.

Nós, vencidos do clubismo, olhamos de olhos esbugalhados e carentes para esse oásis de virtudes nos antípodas de Lisboa, muito como um sem-abrigo espreita o caviar dos ricos pela vitrine panorâmica do Ritz.

Invejamos esses píncaros de grandeza, cobiçamos essas iguarias de altivez. Enquanto reviramos os escombros da nossa miséria, imaginamos, ansiosos, como seriam as nossas vidinhas se vivêssemos todos nessa 'penthouse' de probidade em que os ditosos lampiões habitam. Como seriam se habitássemos esse mundo mágico, onde os adeptos se multiplicam mais rápido do que a taxa de natalidade mundial, os fetos nascem com superagentes, as investigações evaporam-se nos misteriosos bosques da justiça, os jornais ungem-nos diariamente dos mais doces encómios e os nossos beiços se banham perpetuamente em inesgotáveis fontes de óleo-de-courato...

Uma das grandes vantagens do Benfica, por exemplo, é não ter claques. Nunca tiveram. Dúvidas? Quem o diz, categoricamente, é Luís Filipe Vieira, o líder encarnado. "Claques? Nunca soube que o Benfica tinha claques". O que é extremamente vantajoso, convenhamos. Enquanto outros lidam com catástrofes animais como a de Alcochete, os benfiquistas podem, por exemplo, canalizar todos os seus esforços para a produção em massa de vouchers beneficentes (outra regalia do associativismo encarnado) ou passes VIP para as classes desfavorecidas de directores da PJ e juízes da Relação.

Quem, na absurda tentação de argumentar pela paz desportiva, não foi já interrompido por um benfiquista que, emergindo elasticamente de trás do seu impenetrável muro ético, nos esmaga com este xeque-mate heróico: "ao menos nós não temos Alcochetes!"? Como é bom ser do Benfica! Despreocupadamente, levianamente, altaneiramente do Benfica!

Mas, por detrás de todo o ecossistema celeste, espreitam perigos — como um corpo seráfico sem defesas bacterianas.

Tremo então só de imaginar o que seria se um grupo de malfeitores atacasse o autocarro da equipa com tijolos de betão densos como o Isaías. Isso seria tremendamente embaraçoso, quando o nobre líder já confirmou a inexistência de tais pessoas. Com alívio, portanto, os benfiquistas não têm que temer que os seus ídolos sejam hospitalizados com vidros nos olhos, ou que os líderes da equipa vejam as suas casas vandalizadas com ameaças em plena luta pelo título... Ainda assim, admito que não seria nada recomendável que a UEFA fechasse o Estádio da Luz pelo comportamento de claques ilegais a quem se desse apoio logístico em todos os jogos... E seria um tudo nada intrigante — confesso — que um clube visse o seu estádio interditado pela FPF depois de anos a encobrir grupos que — graças a Deus — não existem! Tal como não faria sentido mostrar surpresa quando uma claque que nós próprios declarámos extinta andasse por aí a atropelar, esfaquear, pontapear e emboscar adeptos de outros clubes, em virtude da cobertura clandestina que lhe prestámos ao longo dos tempos... Certo, seria chato, um tudo nada incómodo, admito, e um pesadelo de relações públicas internacional...

Sim, tudo isso seria uma pena, uma terrível e fatal ironia. E — quase me atrevo a dizer — motivo para demissão colectiva e humilhação generalizada.

Felizmente, não há quaisquer indícios de que tal esteja para acontecer. O Benfica não tem hoje, nem nunca teve, claques. O que aconteceu nunca aconteceu. E, assim, o seráfico adepto benfiquista pode prosseguir a vida, confortavelmente embalado nos braços da grã-ventura.

05
Jun20

Futebol de Origem // V. Guimarães 2 Sporting 2

O Esférico

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Foi virado do avesso que o campeonato português regressou, aturdido por três meses de pandemia, recortes de violência extra-relvados, guerras intestinas nos bastidores e ecos de distopia nas bancadas nuas. Quem poderia adivinhar, após cinco jogos de retoma, que os únicos vencedores seriam, não Sporting, Benfica ou Porto, mas Famalicão e o aflito Portimonense? A ordem do futebol colapsou. O mundo está ao contrário.

Nesse sentido, a sabedoria convencional saiu de campo tão desconchavada como tudo o resto. Durante semanas, ouvimos todos dizer que futebol sem adeptos não fazia sentido. Que a retoma da Liga era uma loucura. Que jogar após tão longa paragem seria impossível. Mas o apito soou, a bola rolou, e quando isso sucedeu só ficou no ar a alegria dos jogadores e o entusiasmo dos adeptos, cada qual no seu poleiro. O futebol aconteceu, como num pelado escolar, reduzido à mais pura expressão de movimento, camaradagem e competição. Sem ruído, sem distracções, sem truques de circo, as figuras tristes ficaram para aqueles que, de fora, reclamam sobre a modalidade uma autoridade desproporcionada — prova de que o mal do desporto não jaz nos seus executantes, como tantas vezes no-lo querem fazer crer, mas sim na economia de bajuladores que vivem da poeira que eles próprios levantam: presidentes, empresários, comentadores, claques.

Para o Sporting, regressar aos relvados nestas circunstâncias constituiu uma novidade refrescante. Sem a Juve Leo no topo sul a amolar as navalhas desde o 1º minuto, e sem a turba vimaranense a proporcionar a habitual salva de cadeiras e escarretas, o colectivo leonino entrou em campo ligeiramente encandeado pela nudez insólita de tudo, por instantes confuso com as dimensões gigantescas que a bola — e apenas a bola — tomou perante um mundo em retirada.

Ainda assim, passado o bluff inicial do adversário, o futebol dos leões oscilou sempre entre o matreiro e o ponderado, o sábio e o distraído, com alguns momentos de entendimento promissor, embalado por uma condição física invejável para quem reduzira a sua actividade física, nos últimos dois meses, a um regime de viagens achineladas entre o frigorífico e o bidé.

Se o Sporting titubeou, o mesmo se deveu a pecados como o egoísmo juvenil de alguns homens dianteiros, cerimónia defensiva ou o estranho vírus que tem afectado os guarda-redes — de todos os intervenientes os mais estáticos, e talvez por isso os mais susceptíveis a inalarem a apatia que soprava do lado das bancadas.

Falhas, mas falhas perfeitamente entendíveis à luz das circunstâncias, e, não obstante, insuficientes para ensombrarem a afirmação inequívoca de Sporar, as estreias positivas de Quaresma e Matheus, ou a exibição fulminante de Jovane.

Para quem esperava que o futebol fosse hoje uma coisa diferente, a surpresa deverá ser como este tem a capacidade de sobreviver nos cenários mais improváveis, e a forma como estamos a reaprender a apreciá-lo à luz dos seus pergaminhos originais.

Já para o Sporting, este ambiente de pré-época era exactamente o que faltava a um clube a precisar de pacificação e um treinador a precisar de tempo para reordenar prioridades antes de uma época seguinte que será inevitavelmente moldada à imagem das restrições emergentes.

02
Jun20

Três Reflexões: Contas, (Re)campeonato, Alcochete

O Esférico

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1 — Enraizada na cultura dos grandes clubes portugueses está a cega avidez do imediatismo. Por razões históricas, culturais, passionais, não nos é possível encarar qualquer futuro próximo sem agitar as bandeiras do império. Um dos grandes erros no Sporting tem a ver com a sua fraca cultura de auto-análise. Ninguém diz, com todas as letras, que o Sporting é hoje o 3º grande do futebol português — e isto quando não está ocupado a ser o 4º ou o 5º nos relvados.

Quando a passada se anuncia larga para tão curta perna, é natural que o embate com a realidade provoque danos irreparáveis. Aqui, instala-se o tipo de paranóia colectiva que tem assombrado o clube nas últimas décadas — entre a esperança e o desespero, entre o tudo e o nada.

Isto para dizer que os últimos resultados financeiros trimestrais do SCP são uma oportunidade. São-no porque coincidem, precisamente, com o colapso económico e autocrático do Porto, prelúdio cacofónico de fim de uma era.

Assim, o nosso primeiro objectivo estratégico para a próxima época deve ser, não um salto onírico para o trono, mas a ultrapassagem do FCP, tornada mais plausível por esta conjugação de pragas. Apenas ultrapassando primeiro um dos rivais poderemos depois ter chão para ultrapassarmos o seguinte, sem o risco de nos estatelarmos nas cinzas da depressão.

2 — Ter como base de licitação algo na ordem dos 13 milhões já é esticado para uma tela de Rembrandt, quanto mais para um treinador com dois meses de Liga. Nesse sentido, a pandemia veio ajudar Amorim, esvaziando a polémica em redor da sua escolha e dissipando o absurdo da sua cláusula. Deu tempo para arrefecer a batata que lhe entregaram, conhecer melhor o clube e adaptar o plantel às sua ideias. Com as bancadas vazias, não há nenhuma razão para que não possa fazer da época que resta a pré-época da pré-época da próxima época — com atenção aos jovens, calma, solidificação de processos e, quiçá, o bónus de tirar o título ao Benfica ou ao Porto.

3 — Num país que desespera pela neutralização das claques, o desfecho do processo de Alcochete tem todo o impacto de uma brisa crepuscular. "Prossigam, senhores", mais valia dizer. Dos mais de 40 acusados, apenas 9 cumprirão pena efectiva. Juntem-lhe a indiferença governativa, a anarquia clubística, e facilmente podemos prever mais 12 meses de facadas ao luar.

Bruno de Carvalho, Mustafá e Bruno Jacinto foram absolvidos, por falta de provas. Em jeito típico, mal liberto do jugo judicial, e logo reconciliado com a sua paixão por voltas olímpicas aos canais de tv, BdC retornou ao modo de campanha em que vive perpetuamente, ejaculando de manipulações relativistas as frequências difusoras. Por um dia, foi 2018 outra vez.

Assim, o homem que jurou um dia querer deixar de ser sócio do SCP com efeitos imediatos deseja agora com efeitos imediatos a restituição dos seus direitos de sócio. E embandeira com grande sonsice a sua absolvição, que pretende agora colar à destituição pela calada da memória. Só lhe faltou irromper pela SAD com um guardanapo assinado por Sassá Mutema a garantir-lhe plenos poderes sobre a fazenda... Mas ninguém aqui esquece que a destituição deu-se em Junho de 2018 e a sua detenção ocorreu 5 meses depois, em Novembro. Aos sócios foi-lhes pedido que apreciassem, entre outras coisas, violações estatutárias graves, que variavam desde a usurpação de funções, à criação de órgãos sociais ilegais, passando pela convocação ilegítima de AGs, e por aí fora (coisa pouca). Em lado algum da nota de culpa se lê qualquer referência ao seu hipotético envolvimento nos ataques, ou a um processo judicial que só veio a atingi-lo meio ano depois.

Do mesmo modo, são duas coisas diferentes o estabelecimento de culpa por um acto específico em sede judicial e a sua responsabilização, enquanto líder do clube, pelo ambiente que arrasou o clube entre Fevereiro e Junho daquele ano. Resumidamente, os sócios tiraram-lhe as medidas, fartaram-se do fumo a enxofre que o seguia para todo o lado e despacharam-no de mãos na ciática de volta para a fossa.

Se BdC ainda hoje fantasia com o Sporting, nada tem a ver com lacunas processuais ou distorções no julgamento dos associados, mas sim com a sua manifesta doença mental, que o impede de conseguir dar conta de si próprio enquanto cidadão — vulgo, arranjar um trabalho, um negócio, uma esposa rica...

No seu delírio, que é infinito, considera que os mesmos sócios que já votaram três vezes a sua destituição, suspensão e expulsão, devem agora continuar a admirar a sua pessoa, discutir a sua pessoa, deliberar a sua pessoa, em sucessivas AGs para as quais são arrastados mês sim, mês não, consoante os caprichos do senhor.

Naturalmente, pelo clube são os adeptos loucos. Mas loucos não são. E BdC não voltará ao Sporting. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca mais.

Por isso, senhoras e senhores, ajeitem-se no sofá, que a bola está prestes a rolar.

* Na imagem, Francisco Stromp recebe o pontapé de saída da filha do presidente do SCP Daniel Queiroz dos Santos, antes dum Benfica-Sporting, em 1916.

 

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