Rafael Leão Contra-Embucha
Desde o descalabro de Alcochete, uma ideia acima de todas tem norteado a minha conduta sobre essa matéria: não tecer julgamentos de valor sobre os jogadores que estavam lá naquele dia, entre todos o mais infame da história do SCP.
Para esse posicionamento contribui a noção inatacável de que as vítimas foram os atletas — eles e a instituição. Não pessoa A, B ou C, lista D, E ou F, destituído fulano ou destituído sicrano.
A nós não nos cabe o papel de psiquiatras do diabo. Cada qual é um indivíduo singular e complexo, moldado num conjunto de idiossincrasias que o distingue dos demais. Do mesmo episódio de violência podem resultar desfechos vários, todos eles plausíveis: pânico para uns, recalcamento para outros, oportunismo para este, solidariedade para aquele, redenção aqui, recriminação acolá, traumas ou superação — e ainda "é chato", para alguns.
O grupo de jogadores que rescindiu com o clube nunca foi um grupo coerente (nem poderia sê-lo). Uns, como William ou Patrício, desde cedo pugnaram por um acordo com o Sporting. Outros regressaram e honraram a camisola. No caso de Rafael Leão, entre as razões que invocou para rescindir e a forma usurária como andou a oferecer o lombo pelos "mercados de carne" em 2018, deixou um espaço grande para o nascimento de azedumes tribais, como aqui dei conta em texto escrito a 08/08/18 (as dúvidas sobre a sua carreira não se confirmaram, mas o resto do texto permanece estranhamente actual).
Desde cedo, os especialistas viam o processo contra Leão como o mais forte do Sporting. Por não ter sido mencionado nas mensagens de Whatsapp, por não ter sido um alvo premeditado, por não ter sido directamente atacado. O seu comportamento posterior é, sobretudo, indicativo de um jovem deslumbrado e mal aconselhado, mas também contraditório naquilo que foi o seu quase regresso ao Sporting e a sua poli-traumatizada fuga do Sporting. A FIFA recusou-se a apreciar o caso, mas, num contra-golpe inesperado, o TAD veio dar razão ao SCP. Leão irá recorrer, sem dúvida, mas a chapada está dada.
Porém, ao contrário do que uns poderão pensar, esta decisão apenas vem justificar a acção atempada, quer da Comissão de Gestão, quer da SAD eleita. O Sporting pedia 45M de indemnização, o TAD decidiu-se por 16M — um terço do valor. Isto, "no caso mais forte que o Sporting tinha". E apenas chegámos a este ponto porque tanto o jogador como o Lille sempre se recusaram a negociar. Com um acordo oportuno, o clube teria provavelmente encaixado valores aproximados, mas numa altura bem mais vital.
Com recursos e contra-recursos, não é provável que o Sporting veja a cor da grana no próximo ano. Para se salvar, o Sporting precisava de liquidez para ontem, não para hoje (2 anos depois), ou para amanhã (4 anos depois). Volto a sublinhar: a acção decisiva da CG e da SAD foi o que evitou que o clube entrasse em incumprimento e acabasse na bancarrota. Isto é um mimo para o nosso orgulho, mas não muda nada.